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Viaduto da Pinheiro Borda foi entregue dias antes do primeiro jogo da Copa em Porto AlegreDiego Vara / Agencia RBS

No contexto dos megaeventos recentes no Brasil, os projetos urbanos implantados resultaram no fortalecimento do padrão corporativo de produção das cidades, em uma crescente hegemonia da lógica de rentabilidade, financeirização e gestão privada de bens e serviços coletivos, viabilizados por grandes investimentos públicos. É o que aponta a pesquisadora Angela Maria Gordilho Souza neste artigo para Revista Cadernos Metrópole. Segundo ela, tal processo traz notáveis mudanças na acessibilidade público-privado do espaço urbano, o que tem gerado fortes tensões na conquista social pelo direito à cidade como um bem coletivo no enfrentamento da segregação socioespacial e exclusão urbana.

O artigo “Urbanismo neoliberal, gestão corporativa e o direito à cidade: impactos e tensões recentes nas cidades brasileiras” é um dos destaques da edição n 41 da Revista Cadernos Metrópole.

Abstract

In the context of the recent mega events in Brazil – the 2014 World Cup and the 2016 Olympic Games –, the urban projects that were implemented indicate the strengthening of the corporate pattern of city production, within a growing hegemony of the logic of profitability, financialization and private management of collective goods and services, enabled by huge public investments. They imprint, on space, a selectivity and exclusivity of market use and consumption, associated with the current financial globalization cycle and the neoliberal urbanism that is configured. This process brings remarkable changes in the public-private accessibility of urban space, which has generated strong tensions in the social achievement of the right to the city as a collective good in facing today’s growing socio-spatial segregation and urban exclusion.

INTRODUÇÃO

Por Angela Maria Gordilho Souza

A convergência do neoliberalismo no processo de globalização com a democratização no Brasil da década de 1990 trouxe importantes transformações para a urbanização brasileira, definindo um percurso “na contramão do que acontecia nos países do primeiro mundo”, como analisa Maricato (2015, p. 16) para entender a crise urbana no Brasil atual.

Verifica-se, nas últimas décadas, um desenho promissor das políticas urbanas no Brasil, com indicações de importantes avanços em prol dos instrumentos necessários para as reformas sociais almejadas desde as manifestações esboçadas nos anos sessenta do século passado. Esses avanços, consolidados no Estatuto da Cidade, em 2001, passam a figurar, por força da lei, nos planos diretores, ainda que na prática muitos obstáculos dificultem as necessárias melhorias coletivas almejadas, sobretudo nas grandes cidades, concentradoras de mais da metade da população brasileira, com altos índices de segregação socioespacial e exclusão urbana.

Em uma condição econômica favorável então, como país emergente no curso de uma ampliada globalização do sistema capitalista, diante do panorama da crise financeira mundial que se estabeleceu nos países centrais em 2008, grandes investimentos urbanos foram implementados no Brasil nesse momento. Destaque para a retomada acelerada do setor da construção de moradias, infraestrutura de logística, mobilidade e, sobretudo, das obras demandadas para sediar os megaeventos internacionais – Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 –, decorrendo daí um amplo endividamento público e importantes impactos no processo de produção das cidades.

Em ritmo acelerado, esses investimentos não ocorrem de forma integrada e sustentável, condições indispensáveis para a conquista de resultados sociais e ambientais positivos, que poderiam contribuir para maiores urbanidade e cidadania. Em sentido adverso, verifica-se uma inflexão das conquistas em prol das populações de menor renda, diante dos desdobra- mentos mais concentradores de excedentes da produção coletiva, com impactos excludentes na produção do espaço urbano. Intensifica-se, assim, o padrão de fragmentação, tencionado pela privatização da gestão urbana e pela precarização das periferias, condições acentuadamente presentes na configuração atual das cidades brasileiras.

Nesse movimento, observa-se uma crescente inserção da ação corporativa na produção e gestão das cidades, por meio de consórcios de grandes empresas atuando em todo o processo, desde as definições dos projetos, implantação e gestão dos serviços e equipa- mentos coletivos, em circuitos fechados, sem a necessária discussão pública mais ampla, confrontando-se, assim, aos direitos e obrigatoriedade da participação e inclusão social, legisladas pelo Estatuto da Cidade, em prol dos interesses coletivos.

O endividamento público resultante, que contribuiu para a instabilidade política que se instalou no País, levou às drásticas mudanças recentes na condução do governo federal em 2016, aprofundando o contexto de crises econômica e social já instalado. Na produção do espaço, resultou no enfraquecimento das políticas de interesse social, com agravamento das condições de densificação precarizada nas ocupações consolidadas, abandono das áreas periféricas pobres, degradação ambiental, aumento da violência, sinalizações mais evidentes da ausência de gestão pública. Concomitantemente, é observado um crescente movimento de privatização seletiva e de exclusividade no acesso aos novos empreendimentos, aspectos que dão conteúdo ao urbanismo neoliberal instalado no País a partir dos megaeventos recentes, em detrimento da potencialização dos espaços públicos e do ambiente urbano mais inclusivo.

Analisar o desdobramento dessas tensões na produção do espaço das cidades brasileiras é o principal objetivo deste texto. Para isso, destaca-se como se estabelece essa nova forma de gestão corporativa dos projetos definidos a partir dos megaeventos recentes – Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 – e como ela potencializa o urbanismo neoliberal em curso, para indicar quais os seus impactos mais imediatos na configuração urbana e acessibilidade pública no uso da cidade. Confrontam-se essas práticas às conquistas do Estatuto da Cidade delineadas nas políticas implementadas na década anterior, bem como à emergência de movimentos de resistência surgidos no âmbito da sociedade civil, para o alcance de um urbanismo socialmente mais justo.

Busca-se, assim, indicar elementos que reconfiguram o espaço urbano sob essa égide, identificando as tensões espaciais entre a privatização ampliada do espaço público, os retrocessos no desmonte das conquistas sociais e as sinalizações de novos avanços em prol do direito à cidade no seu sentido mais amplo de construção coletiva e inserção social. Nesse sentido, toma-se como referência o conceito definido por Lefebvre (1991[1968]):

O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade. (p.135)

Leia o artigo completo no site da Revista Cadernos Metrópole.