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Nesta resenha, José Gabriel Palma mostra que o livro “História, Estratégias e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, de José Luís Fiori, constitui uma verdadeira exceção em relação às visões “economicistas” tradicionais do desenvolvimento e da história. Fiori mostra que a questão do poder vem antes e é muito mais ampla e complexa que a do Estado e mercado.

A resenha “Um pensamento herético” foi publicada pela Carta Capital e o Observatório das Metrópoles divulga aqui com o propósito de difundir a produção do cientista político José Luís Fiori sobre as relações hegemônicas internacionais.

Ao longo de 71 artigos do livro “História, Estratégias e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, Fiori analisa o desenvolvimento econômico de países que ocuparam, ou ainda ocupam, posições de liderança política e econômica dentro de suas regiões, entre eles Portugal, Inglaterra, Estados Unidos, China, Argentina e Brasil. Por fim, o autor investiga as semelhanças e convergências entre o desenvolvimento da economia capitalista em grandes potências mundiais e em países latino-americanos.

Leia a seguir a resenha do profº José Gabriel Palma

Um pensamento herético | José Gabriel Palma¹

“O impulso imperialista foi uma força, uma dimensão essencial e permanente do sistema interestatal europeu. Em suma, o sistema interestatal capitalista, criado pelos europeus, não foi apenas o produto da expansão dos mercados ou do capital; foi uma criação do poder expansivo de alguns estados europeus que conquistaram e colonizaram o mundo, durante os cinco séculos em que lutaram, entre si, pela conquista e monopolização de posições de poder e de acumulação de riqueza”.

J.L. Fiori, “História, Estratégias e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, Editora Boitempo, São Paulo, 2014, p:

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América Latina é uma região cuja imaginação social crítica ficou paralisada, passando de um período extremamente rico, durante as décadas de 1950 e 1960 – com o estruturalismo latino-americano ( inspirado no estruturalismo francês, na escola historicista alemã de economia, e na macroeconomia keynesiana e pós-keynesiana), e as “teorias da dependência” ( inspiradas nas análises do “capitalismo monopolista” de  Baran e Sweesy), e as idéias de intelectuais próprios, como Mariátegui – para um outro período intelectualmente estéril, depois da crise da dívida de 1982 e da queda do Muro de Berlim.

Embora isso tenha acontecido na maior parte do mundo, na América Latina, os processos de relegitimação do capital e de declínio do pensamento crítico, foram muito acentuados, enquanto o neoliberalismo – com suas sofisticadas tecnologias de poder e com suas políticas econômicas nada sofisticadas – conquistava a região, inclusive grande parte de sua intelligentsia progressista, tão completamente (e tão ferozmente) quanto a Santa Inquisição conquistou a Espanha – transformando os pensadores críticos numa espécie em extinção.

Nesse contexto, os artigos periódicos de José Luís Fiori , sobre geopolítica e desenvolvimento econômico, constituem uma verdadeira exceção. Neles, Fiori propõe uma discussão renovada sobre o tema e os desafios do desenvolvimento econômico a partir de uma perspectiva histórica que privilegia o poder como uma dimensão com lógica própria, a lógica determinante da trajetória do “sistema interestatal capitalista”. Aqui, “poder” não é sinônimo de Estado e, por isto, a análise do autor vai muito além do velho debate sobre a relação entre “Estado e mercado” no desenvolvimento capitalista. Na abordagem de Fiori, a questão do poder vem antes e é muito mais ampla e complexa que a do Estado. Por conseguinte, a questão da “acumulação de poder” precede, logicamente, a da “acumulação de capital” e a própria aparição histórica dos Estados. Ao mesmo tempo, Fiori defende a tese de que a formação dos “Estados-economias nacionais” é a marca e o grande motor do “milagre europeu” – onde os Estados nasceram e sempre coexistiram competitivamente, dentro de um sistema interestatal inseparável do capitalismo.

Desse ponto de vista, segue-se que a economia capitalista está ligada de forma inextricável ao processo de acumulação de poder – e ao modo como isso aconteceu na Europa (e apenas na Europa) entre os séculos XII e XVI. Este livro usa a geopolítica (mas não exclusivamente) como chave fundamental para a compreensão do sucesso do desenvolvimento econômico em alguns países, e de sua falência em tantos outros. E considera que a política econômica deve ser considerada como uma variável endógena e dependente da macroestratégia de cada país; e por isto, seu sucesso varia de caso para caso e de tempo histórico para tempo histórico. Nesse sentido, pode-se afirmar com toda certeza (e felizmente) que este livro é um livro verdadeiramente herético com relação às visões “economicistas” tradicionais do desenvolvimento e da história.

Para fundamentar suas hipóteses, História, estratégia e desenvolvimento compara vários países de sucesso e identifica suas características comuns relacionadas com sua posição internacional e com suas configuração de poder interno. No que tange à América do Sul, o livro enfatiza a importância crítica desses mesmos fatores nos altos e baixos da Bacia do Prata, e de modo particular, no desenvolvimento da Argentina e do Brasil. O livro não tem propósito normativo, mas considera que a direção estratégica dos estados não está predeterminada, mas também não acontece por acaso, dependendo da luta permanente pelo poder dentro e fora de cada país.

Como diz o próprio autor quando se refere ao Brasil, sem prescrever nenhuma solução ou política especifica, apenas reconhecendo e chamando atenção para as conseqüências de que hoje o Brasil já tenha ascendido dentro do sistema internacional, sendo por isto obrigado a questionar, inevitavelmente e de “forma cada vez mais incisiva a ordem institucional estabelecida e os grandes acordos geopolíticos em que se sustenta, algo a ser feito sem o uso das armas e por meio de sua capacidade de construir alianças com quem quer que seja, desde que o Brasil mantenha seus objetivos e valores e consiga se expandir e conquistar novas posições dentro da hierarquia política e econômica internacional.

Esse objetivo já não obedece mais a nenhum tipo de ideologia nacionalista, muito menos a qualquer tipo de cartilha militar; obedece a um imperativo funcional do próprio sistema interestatal capitalista: nesse sistema, “quem não sobe cai”.  (Tradução feita pela Boitempo, e revista pelo autor )

 

¹Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Cambridge, GB

 

Última modificação em 29-01-2015