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Por   – 09/28/2018

Por Débora Ungaretti e Fernanda Accioly Moreira

No dia 21 de setembro, apenas duas semanas antes das eleições e a quase três meses do fim do mandato do atual governo, foi editada a Medida Provisória nº 852/2018, que disponibiliza imóveis públicos para a venda ou outras formas de alienação pela União. Esses imóveis, que eram do INSS ou do Fundo de Contingência da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), assim como os demais imóveis da União, agora podem ser alienados inclusive por meio de fundos de investimento imobiliário (para informações detalhadas, veja a análise do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico).

A MP favorece “o espectro das privatizações que ronda as eleições de 2018”, convergência dos partidos de direita e centro-direita: não à toa, o Paulo Guedes, economista do PSL que responde pela campanha do candidato Jair Bolsonaro, defende a votação em bloco, ou o “voto programático de bancada” para assuntos econômicos. O economista defende a proposta de maneira radical: sugere a venda de todas as terras públicas da União em apenas um ano.

Não é a primeira vez que a privatização em massa de imóveis públicos aparece como solução para o déficit público, em especial por aqueles que veem o Estado a partir da perspectiva liberal. Já os anos 1990 foram marcados por propostas assim. No período recente, além das iniciativas que têm sido tomadas no âmbito federal, como a Lei nº 13.465/2017 e a MP 852/2018 mencionada acima, também o Plano Municipal de Desestatização de João Dória em São Paulo pretendia vender terras públicas municipais em grande escala.

Embora busquem utilizar justificativas aceitáveis, de melhoria na gestão e de diminuição do déficit público, na prática essas medidas colocam em risco concreto o atendimento do interesse público e da coletividade. É o caso das privatizações da COHAB, que estão resultando na expulsão de ocupações culturais periféricas de imóveis para a sua alienação. É o caso, também, da transferência dos imóveis do INSS, antes destinados para a produção de habitação de interesse social ou implantação de equipamentos sociais, para serem alienados por meio dos fundos de investimento imobiliário pela União. No centro de São Paulo, os edifícios Maria Domitila e Avenida Ipiranga, que seriam destinados à produção de HIS, poderão agora deixar de ter essa destinação. Questão ainda mais urgente após a destruição do edifício Wilton Paes de Almeida.

De toda forma, apesar de serem lançadas como uma grande “sacada”, essas propostas – de colocar as terras públicas no mercado via processos de “desestatização” a exemplo dos leilões e das concessões –, têm se mostrado como tiro no pé de seus defensores. Seja pela falta de conhecimento sobre seu próprio universo de imóveis, pela ausência de controle sobre uso e gestão minimamente eficiente desses imóveis por parte do próprio poder público ou pelo jogo de forças entre interesse políticos, as soluções mágicas acabam tendo muito mais barreiras e resistências do que como anunciadas. Na Inglaterra, por exemplo, o poder público está tentando reverter as privatizações realizadas no passado, com iniciativas de renacionalização.

A ausência ou irregularidades documentais, inconsistências cadastrais, jurídico-cartoriais também representou um dos grandes entraves para que projetos de alienação em massa de imóveis públicos federais, dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro fossem levados a cabo no fim dos anos 1990. E também recentemente, quando a grande maioria dos imóveis listados na portaria nº 62, de 14 de abril de 2016, que seria alienada pelo governo federal, resultou em leilões vazios.

A MP 852/2018 de 24 de/09/2018, além de diversos outros aspectos que vêm alinhados à lógica privatista dos bens públicos, chama a atenção para a definição da modelagem dos fundos de investimento imobiliário, prometida como nova varinha de condão para viabilizar as transações.

Desde 2015, imóveis da União arrolados em portaria do executivo e os direitos reais a eles associados poderiam ser destinados à integralização de cotas de FIIs, abrindo brechas para um caminho em direção à privatização do patrimônio público da União na sua forma especulativa. Desde então, medidas normativas (Lei 16.465/2017 e a referida MP), estão criando as condições legais para por esta proposta entre em funcionamento, espelhando a experiência do Governo do estado de São Paulo.

A novidade agora é que além da disponibilização de pacote de imóveis da União para integralização do FII (“enriquecido” pela possibilidade de alienação de imóveis do INSS e ex-RFFSA), a União fica autorizada a licitar a prestação de serviços de constituição, de estruturação, de administração e de gestão e a aportar recursos para custear as despesas iniciais de estruturação desses fundos de investimento.

Se os leilões e iniciativas anteriores não se mostraram eficientes para garantir a alienação das terras públicas, os FIIs, buscando superar as dificuldades que envolvem as transações imobiliárias, funcionam como um instrumento de mercado que dissolve a propriedade dos imóveis em papéis ou cotas, geralmente ofertados na Bolsa de Valores. Para que os donos desses títulos sejam remunerados periodicamente, os imóveis do fundo devem ser locados ou vendidos. A ideia é aproveitar essa liquidez e ofertar as cotas diretamente como garantia ou vendê-las no mercado, gerando assim receitas aos cofres públicos.

Assim como outras soluções que pareciam mágicas anteriormente, os fundos de investimento imobiliário públicos também poderão encontrar obstáculos não calculados na sua estruturação. Um deles pode ser a derrota desse projeto político dentro de uma semana. No entanto, dando certo ou não, já estão produzindo impactos nas políticas públicas, que são desmontadas enquanto o Estado é reestruturado a partir da lógica da rentabilidade.

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