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Neste artigo apresentado no XIV Colóquio Internacional de Geocrítica (Universidade de Barcelona), Maria do Livramento Miranda Clementino sistematiza questões relacionadas à governança das regiões metropolitanas brasileiras, a partir de vários estudos feitos pela Rede ICNT Observatório das Metrópoles. Tomando como ponto de partida o reconhecimento da utopia da cidade democrática, pois “dela depende o futuro de nossas metrópoles”, a pesquisadora analisa questões como os arranjos institucionais para as regiões metropolitanas, suas características básicas e problemas de interesse comum, e aponta os limites e desafios para superá-los num país de estrutura federativa peculiar como o Brasil.

O artigo “Regiões metropolitanas no Brasil: visões do presente e do futuro” foi apresentado no XIV Colóquio Internacional de Geocrítica, cujo tema foi “Las utopías y la construcción de la sociedad del futuro”.

Maria do Livramento Miranda Clementino é professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte na área de Planejamento Urbano e Regional. Tem experiência na área de Políticas Públicas, com ênfase em Desenvolvimento Regional e Urbano, atuando principalmente nos seguintes temas: espaço urbano, desenvolvimento urbano, região metropolitana, cidade e planejamento urbano. É pesquisadora da Rede INCT Observatório das Metrópoles, e coordenadora do Núcleo Regional de Natal.

A seguir um trecho do artigo “Regiões metropolitanas no Brasil: visões do presente e do futuro“.

INTRODUÇÃO

A emergência teórica e a relevância da questão urbana no mundo contemporâneo podem ser tomadas como consenso. Expressam a inevitabilidade da centralidade do fato urbano, quando as redes de informação e articulação da economia capitalista ganham dimensão global e têm nas cidades seu principal espaço de comando. Ao mesmo tempo expressa a escala local, da cidade e das referências sócio espaciais, presentes e fortalecidas em qualquer escala da vida ampliada e sempre localizada.

A metropolização, como a urbanização, se caracteriza tanto pelas formas quanto pelas funções e as dinâmicas dos maiores agrupamento humanos de nosso tempo. Obviamente, todas as urbanizações, todos os crescimentos e super crescimentos periféricos das cidades, todos os fenômenos observáveis da expansão urbana não ressaltam forçosamente a metropolização. Mesmo que as metrópoles que se desenham na América Latina e no Brasil pareçam mais mutáveis que aquelas de outros grandes espaços continentais, com suas populações instáveis, suas infraestruturas inexistentes e ameaçadas, elas desenvolvem, lugares e territórios de proximidade transbordando vitalidade, “improvisações criativas” e inventividade social, econômica e política. E terminam por se inscrever nas redes mundializadas ou prestes a tornarem-se inscritas.

No Brasil, são numerosas as discussões acerca do crescimento das cidades e do avanço da metropolização. A questão do direito á cidade, por exemplo, foi apreendida já nos anos 60.

Este texto tem como propósito refletir sobre o desafio da governança democrática nas metrópoles brasileiras com possibilidades de ser entendido como uma virtualidade para a utopia do Direito à Cidade. Tem-se como referencia a utopia da cidade democrática. Àquela que em vez de dominada pelo mercado e pela mercadoria, é dirigida pela política e preconizada pela participação cidadã. A cidade democrática comporta o conflito que em vez de ser temido, é desejado, pois é visto como elemento fundamental da sua transformação. Nela os citadinos são sujeitos ativos e não são vistos como meros espectadores das realizações de uma autoridade pública iluminada, um prefeito, por exemplo. Nem como simples consumidores da mercadoria urbana. Aqueles que vivem o cotidiano urbano são pensados como cidadãos em construção, que, no seu constructo, fazem também a cidade. Ela aponta para um projeto nacional, quiçá universal, de cidades colaborativas e cidadãos solidários.

No Brasil, estamos num processo em que a utopia da cidade democrática começa a se concretizar. Diferentemente do que reza a cartilha dos realistas, resistentes as utopias, fica claro que utopias podem e devem se realizar. A força das utopias está em que elas movem transformações concretas. É evidente que a utopia da cidade democrática não se realiza de maneira plena nesse mundo globalizado; mas ao ser experimentada pode gerar ações transformadoras. É este o significado de experiências que vem sendo realizadas no Brasil, como resultado dos movimentos pela reforma urbana após a  constituição de 1988 e que apesar de todas as suas limitações, tem-se a experiência concreta da ideia de que uma outra cidade é possível. Um desses exemplos são as promessas constantes no Estatuto da Metrópole para as ações de governança metropolitana calcadas na utopia do “interesse comum”.

Ao longo da história, as utopias propõem uma sociedade mais igualitária, uma cidade mais justa, idealizada segundo os padrões e a vida de cada época. Uma primeira e fundamental utopia á cidade brasileira foi a higienista que liderada por Oswaldo Cruz fez a reforma urbana do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. A utopia sanitarista deu lugar a utopia modernista de Pereira Passos onde o fundamental era dar funcionalidade e racionalidade a cidade. Já no início dos anos 60 o Brasil ofereceu ao mundo o experimento mais perfeito e acabado dessa utopia modernista quando Oscar Niemayer traçou Brasília.

Entretanto, a nossa “revolução urbana“ só começou de fato a ser compreendida nos anos 70 acompanhando a intensa e rápida urbanização que reestruturou naquela década o espaço urbano regional brasileiro, ao mesmo tempo acompanhada pela utopia reversa do planejamento tecnocrático dos militares. Entre nós, a noção de metrópole, que na visão de Santos “são os maiores objetos culturais jamais construídos pelo homem”, embasa a maioria das definições que qualificam as principais aglomerações urbanas do país – estando presente em todos os arranjos urbano-regionais identificados em território nacional. A utopia tecnocrática dos militares, felizmente, foi substituída pela utopia do direito a cidade desenhado na Constituição Cidadã, de 1988.

A rede urbana brasileira é muito diversificada. São 5570 municípios e á cada um corresponde uma sede urbana. Trataremos no artigo somente das grandes cidades, as nossas metrópoles, como “territórios desgovernados” e resultantes de uma desconcentração (econômica) incentivada pela guerra fiscal, notadamente, nos anos 80 e 90. Nos pautaremos, pelos resultados das pesquisas desenvolvidas junto com o Observatório das Metrópoles (do qual fazemos parte) para as explicações dessa cegueira da sociedade brasileira em não identificar os desafios postos pelos problemas sociais acumulados em nossas metrópoles.

O argumento central perseguido pelas pesquisas do Observatório das Metrópoles é o seguinte: “O tamanho de nossas metrópoles, suas desigualdades, suas favelas, e periferias, sua violência são consequências necessárias da disjunção entre economia, sociedade e território que caracteriza a nossa expansão periférica na economia mundo capitalista. O produtor dessa disjunção é a metropolização da questão social. Esse termo pretende expressar a ideia de que a concentração territorial dos problemas ocasionados por essa disjunção resvala também nas formas fragmentadas e fragmentadoras pelas quais forças dominantes do sistema global da acumulação se apropriam do território metropolitano gerando como consequência a necessidade de dar centralidade ao território como objeto das estratégias de enfrentamento do movimento de “globalização conservadora”.

Pois sabemos que a estabilização da nossa moeda (o real) e a capacidade solvável da nossa economia frente a comunidade financeira internacional, apresentam de certo modo condições incontornáveis, ou seja, são insuficientes para garantir o nosso desenvolvimento, uma vez que a capacidade produtiva do país está ameaçada por vários processos de dilapidação. Nem mais os otimistas acreditam que continuaremos resistindo às permanentes ameaças externas e os mais severos, como Wilson Cano (2008) afirmam que há muito estamos vivendo um processo de (des) industrialização e, até, de regressão mercantil.

As metrópoles estão hoje, portanto, no coração dos dilemas políticos, sociais e econômicos da sociedade brasileira, pois expressam vertentes dramáticas dos efeitos da disjunção entre nação, economia e sociedade, inerentes a nossa condição histórica de periferia da expansão capitalista, acelerados pela nossa subordinação à essa globalização hemogeneizada pelo capital financeiro. Aquilo que poderíamos chamar de “inserção dependente”. Devemos ser capazes de dar resposta às ameaças de fragmentação nacional nos planos social e territorial, sem o que nenhuma mudança de rumo da economia estabilizada terá sentido.

Lembrando os estudos do Observatório das Metrópoles diríamos que nas metrópoles brasileiras estão concentrados os processos que interrompem a nossa construção nacional, uma vez que nelas estão ocorrendo vários lances do jogo que decide nosso futuro societal. Nesse sentido a metrópole nos coloca um triplo desafio: o do desenvolvimento do Brasil; o da superação das desigualdades sociais e o da governança democrática.

Para este artigo trataremos somente o desafio da governança democrática. Discutiremos os arranjos institucionais para regiões metropolitanas no Brasil suas características básicas, problemas, desafios e visões do futuro inspiradas nas promessas do Estatuto da Metrópole. Melhor dizendo, a Lei 13089 de 12/012015 ainda se encontra no campo das utopias uma vez que mesmo promulgada parece irrealizável. O artigo seguirá o seguinte roteiro: o problema do governo das metrópoles, as recentes iniciativas de governança metropolitana brasileiras, as promessas do estatuto da metrópole e “por uma governança colaborativa” na Região Metropolitana de Natal. As questões relacionadas à governança das regiões metropolitanas brasileiras têm por base pesquisa realizada no Núcleo Natal do Observatório das Metrópoles. Trataremos da experiência brasileira de governança metropolitana e particularmente de Natal à solução de problemas de interesse comum, seus limites e desafios num país de estrutura federativa peculiar como o Brasil.

Acesse no link a seguir o artigo completo “Regiões metropolitanas no Brasil: visões do presente e do futuro”.