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Profissional da cidade e o saber urbano: desafios à ciência, tecnologia e inovação

By 06/04/2011janeiro 29th, 2018Artigos Semanais

Somos uma sociedade urbana completamente despreparada para enfrentar os desafios específicos decorrentes desta realidade: não temos um saber urbano e tampouco um profissional da cidade. As últimas catástrofes urbanas e as freqüentes tragédias cotidianas de nossas cidades evidenciam a inexistência de um sistema de governo preparado para estes desafios, em cuja raiz encontramos duas causas: de um lado, a fragmentação da organização científica e acadêmica de produção de conhecimento e inovação,  gerando saberes parcelares. De outro lado,  a ausência da formação de profissionais com o conhecimento holístico sobre cidade capaz de construir sistemas de gestão urbana eficientes.

 

No Brasil mais de 80% da população está concentrada nas cidades. Foram criadas 38 regiões metropolitanas. Temos duas Mega Cidades e uma Cidade-Região em formação em torno da RM de São Paulo, que deverá aglomerar em futuro próximo cerca de 25 milhões de pessoas. A atuação sobre os desafios desta sociedade urbana exige um conhecimento que supere a fragmentação disciplinar, em razão do caráter sistêmico dos problemas urbanos.  A análise das áreas de atuação do CNPq e CAPES indica a atomização dos saberes necessários a gestão das nossas cidades. O leitor pode encontrar a imagem  desta pulverização consultando o diagrama das subáreas do CNPq/CAPES abaixo que deveriam estar mobilizadas de maneira articulada para a produção do adequando saber urbano. A segunda causa é a inexistência da formação desde a graduação do profissional da cidade.

 

Diagrama de Subáreas de atuação do CNPq/Capes

Caso você não esteja vendo uma janela com esquema da cidade você precisa instalar uma maquina virtual Java.

Durante a realizaçãodo IBAS Workshop em Cape Town, África do Sul,  entre dias 28 de março a 1 de abril de 2011 noticiado no boletim anterior, o INCT Observatório das Metrópoles conheceu uma interessante e inovadora proposta do IIHS – Indian Institute for Human Settlements – http://www.iihs.co.in visando a criação da primeira universidade nacional da Índia – e, talvez do mundo-  centrada nos desafios e as oportunidades da sua urbanização. A idéia do IIHS é oferecer um programa integrado de educação, investigação e geração de conhecimento, treinamento executivo, aprendizagem à distância, serviços de desenho e consultoria, advocacia e a intervenção de alta qualidade. Tal projeto vislumbra a estruturação de uma instituição, globalmente reconhecida, de educação e investigação aplicada em pé de igualdade com os renomados Institutos Indianos de Tecnologia (IITs) e Institutos Indianos de Administração (IIMs), e, comprometida com a criação e administração de assentamentos urbanos, regiões e povoações, eqüitativos, eficazes, rentáveis e sustentáveis.

No Brasil, ideia semelhante já foi ventilada no livro As Profissões do Futuro, de autoria do arquiteto e urbanista Carlos Leite Brandão. Ao Profissional da Cidade ou Urbanólogo, caberia estudar, examinar e gerir as grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo o autor: “Ao estudar o tamanho das cidades, de modo a distribuir melhor a população e evitar os graves problemas advindos das concentrações metropolitanas, este profissional teria de interagir com o geopolítico, com os especialistas em transporte, energia, políticas públicas, comunicações e novas formas de fixação das populações, de produção de alimentos, de oferecimento e distribuição de serviçoes” (BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. As Profissões do Futuro. Belo Horizonte: UFMG, 2008)

No caso da proposta indiana, a característica relevante desta iniciativa está em, justamente, desenhar um programa de pesquisa e ensino interdisciplinar, mobilizando o estado da arte sobre a realidade urbana dos países do Sul Global. Ao mesmo tempo, busca o aproveitamento de especialistas internacionais, conectados em uma rede global de conhecimento na área composta por: universidades líderes como MIT e UCL, Londres; acadêmicos estudiosos da Ásia do Sul e, por que não, Brasil. Tal proposta configura importante posicionamento estratégico da Índia buscando se preparar adequada e preventivamente para o seu acelerado processo de urbanização. Com efeito, a população urbana deste país é hoje de aproximadamente 300 milhões e estima-se que na segunda metade do século XXI alcançará 800 milhões. Trata-se de uma transição histórica da sociedade rural para a sociedade urbana em velocidade semelhante àquela vivida pelo Brasil entre 1950/1980, respeitadas as devidas diferenças demográficas entre os dois países. A mudança populacional em massa resultará também numa explosão de demandas referentes aos meios de subsistência, ao acesso do espaço urbano, ao alojamento e serviços, à governança, etc.

A proposta de criação desta nova universidade mostra que parte das elites indianas está se preparando para futuro próximo, buscando inovar na prática de produção de conhecimentos adequados os desafios emergentes e de formação de novos profissionais do saber urbano. Conhecer e se integrar a esta proposta certamente nos ajudará a desenhar relevantes caminhos de inovação da nossa prática científica e universitária diante e adequá-la às necessidades, demandas e desafios da já constituída sociedade urbana brasileira.

Para melhor conhecimento da proposta dos colegas indianos integrantes do Indian Institute for Human Settlements – IIHS, com os quais pretendemos estabelecer laços de cooperaçãoconsulte o este site.

No desdobramento da reflexão aqui proposta pode ser de grande relevância relembrar as análises antecipatórias de Henry Lefebvre sobre a emergência da sociedade urbana como nova fase da história e suas consequências para o progresso, bem estar e liberdade do ser humano.