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Porto Alegre: território em disputa

By 02/09/2014janeiro 20th, 2018Entrevistas

Porto Alegre: território em disputa

“As obras em curso na cidade de Porto Alegre não foram debatidas com a sociedade. Em alguns casos a pressão da sociedade, através dos movimentos, consegue fazer com que projetos sejam apresentados publicamente”. Em entrevista para Instituto Humanitas UniSinos, a pesquisadora Lucimar Siqueira, integrante do Núcleo PoA do Observatório das Metrópoles, aborda as principais transformações urbanas na metrópole gaúcha, especialmente nas áreas de moradia e infraestrutura urbana.

A entrevista de Lucimar Siqueira faz parte do trabalho que o INCT Observatório das Metrópoles vem desenvolvendo com o objetivo de ampliar a pauta urbana-metropolitana junto aos veículos de imprensa e sociedade civil.

Para ler a entrevista completa, acesse o site do IHU Online.

 

 

IHU On-Line – Como esse processo está funcionando?

Lucimar Siqueira – Em relação à moradia, devemos lembrar que em 2009 foi criado o Programa Minha Casa, Minha Vida através da Lei Federal Nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Por um lado, foi a forma adotada para atender a demanda por moradia da população pobre através da produção habitacional ou da requalificação de imóveis urbanos. Esta foi a maneira que o governo encontrou para investir na produção e tentar se precaver em relação à crise internacional. Diferentemente de outros países que investiram no setor financeiro, o Brasil apostou, entre outras ações, na produção de moradia, criando medidas para estimular a construção civil. Se por um lado, essa medida promoveu um incremento no número de empregos e produziu um número considerável de moradia, por outro, há uma série de consequências que recaem sobre as cidades e a população envolvida, pois o público-alvo do programa é de baixa renda, sobretudo a Faixa 1 do programa que tem muito mais dificuldades de acessar o mercado formal de moradia e mais vulnerável às condições do programa. Vale lembrar que as classes de renda foram definidas através da faixa salarial 1, 2 e 3, cujos valores correspondem a Faixa1 – R$1.600,00; Faixa 2 – R$ 2.790,00 (ou até seis SM); Faixa 3 – R$ 4.650,00 (ou até dez SM).

Lucimar Siqueira

Mas há um contexto histórico envolvido nesse processo. Em 2001, a criação do Estatuto da Cidade reuniu o arcabouço jurídico mais progressista de toda história do país, que garante o direito à cidade e à moradia da população pobre. Já havia, desde 2004, a Política Nacional de Habitação, a qual traçou as diretrizes mais fundamentais para garantia do direito à moradia digna. Em 2005 foi sancionado o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (principal instrumento da Política Nacional de Habitação de Interesse Social) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, frutos diretos da atuação dos movimentos sociais de moradia que elaboraram a proposta e a subscreveram com mais de um milhão de assinaturas. Não se trata, portanto, de ações isoladas de governos, mas de uma construção com forte participação popular.

O Governo Federal financiou em muitos municípios, inclusive Porto Alegre, a elaboração dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social – PLHIS e estimulou a criação dos Fundos Locais de HIS e criação de Conselhos Gestores Participativos. Estes foram condicionantes aos repasses do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e, posteriormente, ao acesso dos municípios ao Programa Minha Casa, Minha Vida. Neste contexto, para Porto Alegre acessar o Programa Minha Casa, Minha Vida, precisou elaborar o PLHIS e definir o local, na cidade, em que serão construídas as moradias através da definição das AEIS (Áreas Especiais de Interesse Social). Assim que ingressou no programa, cadastrou mais de 50 mil famílias com renda até três salários mínimos.

O Plano Local de Habitação de Interesse Social é o principal documento onde os municípios reconhecem a dimensão, qualificam os problemas habitacionais e propõem alternativas. Estão entre eles, por exemplo, os programas de regularização fundiária, urbanização, reassentamento e medidas emergenciais (aluguel social, bônus moradia, casas emergenciais) para casos de sinistros ou aqueles em que a localização da moradia coloque em risco iminente a vida dos seus moradores.

Também fazem parte do PLHIS as diretrizes para a definição das Áreas Especiais de Interesse Social – AEIS. Ou seja, os locais da cidade onde serão implementadas ações para atender à Habitação de Interesse Social, seja por meio de urbanização de áreas carentes ou de produção de novas moradias através, por exemplo, do Programa Minha Casa, Minha Vida. Porto Alegre aprovou em 2010 o Projeto das AEIS (Lei Complementar Municipal nº 663), o qual definiu mais de 40 áreas especiais de interesse social na cidade. Algumas delas foram objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade por estarem localizadas em áreas de proteção ambiental. É preciso lembrar que o Programa Minha Casa, Minha Vida não é a única forma de prover moradia. Os municípios também têm responsabilidade de oferecer alternativas habitacionais à sua população carente.

Quando a Prefeitura de Porto Alegre acessou o Programa Minha Casa, Minha Vida, já tinha o diagnóstico sobre o problema habitacional do município e também os locais onde a população pobre deveria morar. Portanto, os problemas relacionados à localização do Programa são de responsabilidade dos governos municipais.

Localização das moradias

Uma avaliação que podemos fazer do Programa Minha Casa, Minha Vida diz respeito à localização. É este um dos principais problemas enfrentados com o programa. As famílias conquistam o direito à moradia, mas perdem o direito à cidade quando são transferidas para locais onde não há cidade consolidada. E por que elas são transferidas para estes locais? Aqui entra o problema do acesso à terra urbanizada. O argumento da prefeitura de Porto Alegre para gravar AEIS em locais distantes do centro é que a terra está cara. E qual terra está cara? A terra urbanizada, ou seja, aqueles locais da cidade onde a infraestrutura urbana e serviços já estão consolidados. Então, a terra cara é aquela que recebeu infraestrutura paga com recursos públicos e que o município não conseguiu implementar os instrumentos para regular o preço. Então, quando o município diz que compra terra longe da infraestrutura porque a terra é cara, devemos perguntar: Ora, a quem cabe regular o preço da terra? Todos os instrumentos para regular o preço da terra estão no Estatuto da Cidade. Isto significa que um dos problemas do programa Minha Casa, Minha Vida poderia ser minimizado se o município implementasse os instrumentos do Estatuto da Cidade, por exemplo, implementando o IPTU progressivo no tempo.

Outros problemas são relacionados à qualidade das construções (vícios construtivos), empresas que entram em falência antes de concluir os empreendimentos, projetos mal elaborados que não consideram as características das famílias, falta de equipamentos de lazer, saúde, educação, etc.

Uma alternativa importante dentro do Minha Casa, Minha Vida é a modalidade Minha Casa, Minha Vida – Entidades. Esta modalidade do Programa apresenta algumas particularidades que merecem ser observadas. Uma delas é o grau de autonomia que as famílias desenvolvem ao participar deste processo, pois tomam em suas mãos o trabalho desde a elaboração dos projetos até a construção e forma de organização após a entrega das casas. O Minha Casa, Minha Vida – Entidades foi criado em 2009 para atender famílias organizadas através de cooperativas habitacionais, associações de moradores ou outras entidades privadas sem fins lucrativos. É voltado para famílias com renda até R$1.600,00, ou seja, aquelas de menor renda.

IHU On-Line – Ainda nesse sentido, como avalia o Programa Minha Casa, Minha Vida, enquanto proposta para promover acesso à moradia popular?

Lucimar Siqueira – O Programa Minha Casa, Minha Vida é um dos maiores mecanismos de incentivo à produção de moradia para população carente. No entanto, Porto Alegre não pode deixar de implementar os instrumentos do Estatuto da Cidade e regular o preço da terra para que de fato atenda os princípios do direito à cidade, uma cidade para as pessoas e não para o capital. Além disso, não pode se deixar pautar pelas construtoras. Esses são dois problemas graves que estamos verificando em Porto Alegre. Quantos projetos estão em curso e não andam, enquanto a população aguarda? Quantos editais foram publicados chamando para construir empreendimentos para o Programa Minha Casa, Minha Vida e cada vez mais o poder público precisa se dobrar para atender as exigências do setor empresarial da construção civil? ]

 

 

Publicado em Entrevistas | Última modificação em 02-09-2014 15:50:22