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Neste artigo, apresentado no XVII Encontro Nacional da ANPUR, Adauto Cardoso e Samuel Jaenisch analisam como as mudanças institucionais implementadas nos períodos de governo dos presidentes Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff afetaram a produção imobiliária brasileira, com destaque para: 1) o papel desempenhado pelos instrumentos financeiros associados ao Sistema Financeiro Imobiliário; 2) as consequências da Oferta Pública de Ações das empresas do setor na bolsa de Valores de São Paulo; e 3) a importância do Programa Minha Casa Minha Vida. Ao final, o estudo propõe uma avaliação geral do desempenho econômico do setor nos últimos anos e também dos desafios frente ao contexto de crise política e institucional deflagrado em 2014.

A Rede INCT Observatório das Metrópoles vem produzindo inúmeros estudos sobre as políticas habitacionais do Brasil, com enfoque especial no monitoramento do Programa Minha Casa Minha Vida.

Durante o XVII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ENANPUR), realizado em maio de 2017, a equipe do Observatório promoveu o lançamento do livro “22 anos de Política Habitacional no Brasil: da euforia à crise”, que representa talvez o primeiro esforço de balanço crítico das políticas de habitação do ciclo lulista, com foco no Programa Minha Casa Minha Vida. A publicação apresenta também os resultados do Grupo de Pesquisa Habitação e Cidade em torno da problemática da habitação de interesse social; e traz contribuições relativas a indicadores e seu valor simbólico; e envelhecimento e necessidades habitacionais. Segundo Adauto Cardoso, o livro oferece um amplo panorama das políticas de habitação no Brasil, incluindo ainda análises comparativas sobre experiências na América Latina, com ênfase na produção autogestionária do habitat popular.

No evento da ANPUR, o professor Adauto Lúcio Cardoso e Samuel Thomas Jaenisch apresentaram também o artigo “Mercado imobiliário e política habitacional nos governos de Lula e Dilma: entre o mercado financeiro e a produção habitacional subsidiada”, durante a Sessão Temática “Habitação e a Produção do Espaço Urbano e Regional”.

Divulgamos esse artigo no site do Observatório para ampliar a sua circulação e o debate sobre as políticas habitacionais brasileiras.

INTRODUÇÃO

Por Adauto Cardoso e Samuel Thomas Jaenisch

Ao longo da última década, um conjunto robusto de estudos acadêmicos vem sendo produzido com o objetivo de discutir os impactos do processo de financeirização sobre a organização do setor imobiliário e suas conseqüências para estruturação do espaço urbano no Brasil (SHIMBO, 2010; RUFINO, 2012; ROYER, 2009; FIX, 2011; BOTELHO, 2007; PEREIRA, 2015; SANFELICE, 2013; ROLNIK, 2015). As conclusões apresentadas, de maneira geral e ressalvadas as especificidades de cada pesquisa, apontam que a reestruturação do setor, a partir de novos aportes de capital e apoiada em mudanças e inovações institucionais implementadas pelo Governo Federal a partir da década de 1990, conseguiram gerar novas possibilidades para o desenvolvimento do setor privado, mas pouco (ou nada) contribuíram para resolver os problemas estruturais que historicamente caracterizam a urbanização de nossas grandes cidades.

Seguimos enfrentando a carência de espaços públicos de qualidade e acessíveis a todos, a existência de áreas densamente povoadas sem redes de infraestrutura básica e transporte, o aumento da segregação espacial das classes populares, além de um déficit habitacional significativo, mesmo considerando os avanços feitos nos últimos anos por iniciativas como o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Muitos dos instrumentos criados a partir da instituição do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) – como os Fundos de Investimento Imobiliário (FII), os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), os Certificados do Potencial Adicional de Construção (CEPAC) – vem sendo usados quase exclusivamente para financiar a produção de empreendimentos voltados para um mercado de alta renda, canalizando investimentos públicos para áreas já consolidadas e promovendo a expulsão de famílias vulneráveis que dependem dessas localizações para reproduzir as poucas alternativas econômicas à que têm acesso. Questões evidentes na forma como foram conduzidas as operações urbanas Faria Lima e Águas Espraiadas em São Paulo (FIX, 2009) e o Projeto Porto Maravilha na cidade do Rio de Janeiro (BIENENSTEIN et alli, 2015).

Na mesma direção que já era pontada por Adriano Botelho no início dos anos 2000, dados publicados recentemente pela UQBAR apontam que do total de investimentos capitalizados pelos FII’s listados na Bolsa de Valores de São Paulo em 2015, cerca de 74,8% corresponderam a fundos lastreados em imóveis classificados como “escritórios” e “varejo” e apenas 2,1% a fundos lastreados em imóveis classificados como “residencial” (UQBAR, 2016).

Adriano Botelho ressaltava ainda, no mesmo estudo citado, que a localização dos empreendimentos associados a esses instrumentos não parece se descolar das lógicas que tradicionalmente regem a incorporação imobiliária no país (BOTELHO, 2007). Cabe dizer que o rendimento dos fundos segue atrelado à sua valorização enquanto bem imobiliário. É por isso que a grande maioria desses novos empreendimentos segue se expandindo pelos mesmos vetores de valorização do mercado não financeirizado e disputando o mesmo perfil de investidor.

Essas considerações indicam que os produtos imobiliários viabilizados por esses instrumentos seguem restritos a um público com um perfil socioeconômico específico e contribuindo para a formação de espaços urbanos exclusivos e excludentes. Fragmentos urbanos onde prevalece a arquitetura cosmopolita dos grandes escritórios de grife e a presença das grandes marcas do mundo corporativo globalizado.

No que diz respeito ao segmento residencial, houve avanços significativos na utilização dos CRI’s – principal instrumento de securitização voltado para o setor imobiliário – mas nada comparado ao ocorrido em países onde a securitização tornou-se a principal forma de financiamento residencial (inclusive para as classes populares) e um importante veículo para capturar as rendas pessoais e consolidar a financeirização da economia de forma ampla, conforme ocorrido nos Estado Unidos da América (FOX-GOTHAM, 2009; LAPAVITSAS, 2009) ou na Espanha (GARCIA-LAMARCA e KAIKA, 2016).

No caso brasileiro, o processo de financeirização vem se desenvolvendo de forma mais errática, em um arranjo que articula lógicas características do mercado financeiro e seus grandes investidores, ajustes nas estruturas administrativas e estratégias de atuação das empresas nacionais, intervenções de diversas ordens feitas por parte do Estado, além da já conhecida permissividade entre os interesses públicos e privados que há muito marca nossa prática política. Exemplo disso é o papel fundamental que vem sendo desempenhado pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outros fundos públicos no aporte de recursos que alimentam o funcionamento do mercado financeiro (ROYER, 2009; ROLNIK, 2015).

Tomando como base os estudos já desenvolvidos, assumimos aqui como premissa que nos últimos vinte anos o setor imobiliário vem se reestruturando no Brasil e que a financeirização é parte importante para compreender esse processo. Porém cabe sopesar o papel dos diferentes agentes envolvidos e avaliar que possibilidades foram criadas para esse processo de reestruturação pudesse acontecer.

A dinâmica apresentada pelos FII’s é só um dos elementos que compõem esse universo e outras questões também merecem ser destacadas. Nesse sentido apresentamos na primeira parte deste texto três momentos que consideramos chave nesse desenvolvimento: o ímpeto inicial gerado a partir da formação do SFI em 1997, a abertura de capital das empresas do setor imobiliário em 2004 e o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida em 2009.

Em cada um deles, inovações institucionais importantes foram efetivadas por parte do Estado que refletiram nas dinâmicas do setor da construção civil e da incorporação imobiliária. Na segunda parte fazemos um balanço mais detalhado do período que começa na crise econômica mundial de 2008 e acaba no processo de impeachment sofrido da Presidenta Dilma Roussef em 2016, marcado por uma intensa atividade inicial do setor, decorrente do bom momento econômico (interno e externo) que o Brasil estava passando, seguido por uma crise cuja extensão e impactos ainda não são claros.

Acesse no link a seguir o artigo completo o artigo “Mercado imobiliário e política habitacional nos governos de Lula e Dilma: entre o mercado financeiro e a produção habitacional subsidiada”.