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Planos Diretores em linha do tempo: Cidade Brasileira 1960-2015

Neste artigo, apresentado no XVII Encontro Nacional da ANPUR, Clóvis Ultramari e Roberto Carlos E. de Oliveira da Silva discutem a cidade brasileira pela perspectiva das leis de seus planos diretores, buscando refletir sobre o entendimento do legislador, mas também do técnico e das organizações participantes. Para tanto, analisam uma seleção de 26 Planos Diretores municipais, para o recorte das dez maiores cidades brasileiras, no período 1960-2015. O resultado indica enfoques da cidade e de sua gestão diferenciados por décadas; ao mesmo tempo, conclui para uma gestão e um acesso à terra mais democráticos, estando ausentes desses avanços o financiamento para a gestão urbana e temas emergentes como a inclusão tecnológica.

O artigo “Planos Diretores em Linha do Tempo: Cidade Brasileira 1960-2015”, de autoria de Clóvis Ultramari (UFPR) e Roberto Carlos E. de Oliveira da Silva (IPARDES), foi apresentado no XVII ENANPUR na Sessão Temática “Perspectivas para o Planejamento Urbano e Regional”.

O professor Clóvis Ultramari integra o Núcleo Regional Curitiba da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

ABSTRACT

Elaborated with the intention to provoke a debate on what is announced in its title, this paper qualifies and discusses the Brazilian city through the perspective of their approved master plans. It so believes they somewhat reflect the legislator rationales as well as the expert ́s, the organizations ́ involved in the processes and, no doubt, the represented interests ́. In order to do so, we selected a series of 26 master plans, for the tem largest cities in the country, from 1960 through 2015. Results suggest distinct understandings of the city and its management along the decades, increasing legal complexities, enlargement of allegedly desired responsibilities, but also the permanence of a traditional concern with urban land use instruments at the point of being confused with them. At the same time, results make explicit progress towards a more democratic management and access to the urban land. However, other important attributes are absent, such as mechanisms to finance desired changes and emergent subjects as the technological inclusiveness.

INTRODUÇÃO

POR CLÓVIS ULTRAMARI E ROBERTO CARLOS EVENCIO

A apreensão de mudanças estruturantes na forma como cidades são construídas e apropriadas ou de avanços e retrocessos em termos da apropriação social de seus recursos, está sempre submetida à experiência pessoal do escrutinador, conforme também já alertado por Bachelard (1996). Este mesmo autor pode ainda ser lembrado no desenvolvimento deste artigo por sua compreensão de que nosso conhecimento não pode ser avaliado ou construído por acúmulos, mas sim pela identificação ou vivência de rupturas, em um processo dialético que julga, valoriza ou rejeita o passado: olha-se então para as últimas décadas do processo de urbanização brasileiro com a identificação de claros eventos de mudança, tais quais inflexões urbanas (Ultramari; Duarte, 2009) constituidoras de um antes e de um depois.

O reconhecimento do limite imposto pelo olhar do escrutinador, do caráter eminentemente processual dos fenômenos aqui discutidos, e da certeza de que há sobreposição de atributos que caracterizam períodos confirmaram-se nas análises. A leitura dos planos diretores selecionados nos pareceu sugerir momentos distintos, estanques e pouco dialógicos no longo processo de mais de 50 anos do recorte adotado; entretanto, houve, sim, sobreposição de velhos atributos mesmo quando da emergência de outros que nos pareceram inéditos.

Mudanças no cenário urbano brasileiro podem ser identificadas por fenômenos específicos tais como a aprovação de novas legislações, reversões econômicas com impacto no perfil contábil das administrações municipais, novas relações institucionais entre as instâncias de poder e novos modos sociais advindos sejam de políticas urbanas, sejam de processos exógenos. Se observarmos tais fenômenos como origem e marcos das mudanças no cenário de nossas cidades, eles podem ser identificados de modo específico no tempo. Todavia, seus impactos certamente se mostram processuais, longos, inacabados e não lineares no nível da concretude dos fatos. Assim, tais mudanças paradoxalmente convivem com permanências, sem uma existir sem a outra. Do mesmo modo que compreendido por Walter Benjamim (1970), há sempre uma forte relação entre passado, presente e futuro que não permite formular prognósticos desconectados dos momentos vividos. Na retrospectiva aqui realizada, mais de uma vez, a visualização de mudanças positivas é desencorajada por uma clara e incômoda permanência das coisas. Outras vezes, na mirada do longo processo, o otimismo se impõe.

Princípios estabelecidos na Constituição Federal (BRASIL, 1988), no Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) e no Estatuto da Metrópole (BRASIL, 2015), por exemplo, confirmam um cenário mutante no nível da cidade brasileira e reitera a importância dos marcos legais como transformadores. Analisados de forma isolada, esses testamentos, os quais poderiam ser entendidos como referências para uma política urbana nacional ou como sínteses de uma cidade desejada com mais evidência a partir dos anos 1980, a conclusão menos arriscada seria a da insignificância das mudanças, num claro distanciamento entre entendimento e enfrentamento da realidade. Entretanto, a leitura de indicadores selecionados para o período que segue a aplicação dos instrumentos legais atesta uma otimista diminuição entre esses dois estratos de olhar e viver a cidade. Entender se o cenário real altera-se em razão de tais instrumentos e em que medida o fazem ainda resta para ser melhor confirmado. De imediato, opta-se pela explicação de que há um grande contexto onde se observam fenômenos diversos, de difícil apreensão, a um tempo atuando como origens e como consequências de mudanças; ou seja, legislações, planos ou políticas que possam se apresentar como desencadeadoras de alterações positivas significariam o resultado de consensos societários que assim as definiram.

A justificativa do uso dos Planos Diretores para se entender um longo processo de urbanização no Brasil é a sua crescente adoção pelos municípios e a hipótese de que tenham, minimamente no nível do ideal, assimilado desejos e rejeitado descrenças expressas pela sociedade em relação à cidade. Segundo pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros (IBGE, anos selecionados), é linearmente crescente o número de municípios brasileiros com Plano Diretor aprovado. De 15% do total em 1999 (primeiro ano da pesquisa, passa-se para 34%, em 2008 (já sob a exigência legal do Estatuto da Cidade), e para 50%, em 2014. Alguns estados já contam com 100%, indo além, portanto, das exigências mínimas como volume demográfico superior a 20 mil habitantes e inserção em Região Metropolitana. A despeito de esse número parecer revelar uma situação deficitária em alguns casos, vale lembrar que conta-se com uma cobertura maior entre os municípios de maior volume demográfico.

Leia no link a seguir o artigo completo Planos Diretores em Linha do Tempo: Cidade Brasileira 1960-2015.

 

Leia também:

Livro — Como NÃO fazer uma tese (Clóvis Ultramari)

Planos diretores Pós-Estatuto da Cidade: disponível para download