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Cotidiano — imagem ilustrativaCotidiano — imagem ilustrativa

A relação entre cotidianidade e planejamento urbano não é tão direta e simples como imaginam gestores públicos e urbanistas ao projetar e planejar em suas pranchetas, escritórios e instituições. É o que mostra a pesquisadora Liria Yuri Nagamine, do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles. De acordo com sua investigação, tal relação implica em interações do espaço vivido, concebido e percebido, caracterizadas pela presença-ausência do Estado diante da precariedade de parcela da sociedade. Sociedade esta que encontra nas formas de sobrevivência uma vida cotidiana que se revela por uma cotidianidade desigual.

“A vida cotidiana e a cotidianidade constituem-se, enfim, em dimensão, campo e escala válidas e sobretudo necessárias ao planejamento urbano”, aponta Nagamine.

A dissertação “O lugar da cotidianidade no planejamento urbano: um olhar a partir do Guarituba (Piraquara/PR)”, de autoria de Liria Yuri Nagamine, é mais um resultado da Rede Nacional INCT Observatório das Metrópoles. O trabalho foi orientado pela profª Gislene de Fátima Pereira, e co-orientado pelo profº Danilo Volochko. E defendido no Curso de Pós-Graduação em Geografia, Setor de Ciências da Terra, da Universidade Federal do Paraná.

Segundo Nagamine, a pesquisa tem como foco o cotidiano, buscando investigar de que forma este se configura como dimensão importante e até mesmo fundamental para o planejamento urbano. Desse modo, procura-se contribuir com o aprofundamento de visões e perspectivas na atuação do planejamento urbano, tendo em vista a cotidianidade e a vida cotidiana. O lugar escolhido para a análise é o Guarituba, situado no município de Piraquara, periferia da metrópole de Curitiba. O procedimento adotado para a investigação tem como referência a pesquisa participante, com foco na análise “de perto” e “de dentro” em relação à dimensão “de longe” e “de fora”, realizado através de entrevistas a moradores locais. Além disso, foram realizadas entrevistas com interlocutores junto a instituições públicas atuantes no lugar.

 

A COTIDIANIDADE E O PLANEJAMENTO URBANO

De acordo com Liria Yuri Nagamine, embora os conceitos relacionados ao cotidiano se encontram subjacentes às falas e às teorias que subsidiam o planejamento urbano atualmente praticado no Brasil, tendo o direito à cidade como princípio fundamental, este mesmo conjunto não assimilou, na sua forma de planejar, a vida cotidiana e a cotidianidade como uma dimensão e base teórico-conceitual a partir da qual as decisões pudessem ser ponderadas e ajustadas.

“Pensar a cotidianidade, contudo, é um desafio sempre presente entre gestores públicos e urbanistas, pois as ações planejadas tem o objetivo precípuo de justiça social e melhoria da qualidade de vida. Existe, portanto, uma relação dialética entre a cotidianidade e o planejamento urbano que precisa ser assimilada na prática. Desta forma, a hipótese desta pesquisa está baseada no fato de que se poucos praticam o planejar a partir do vivido no cotidiano é porque, apesar das fortes evidências desta importância, muitos não o reconhecem como tal. E se não reconhecem a sua importância, talvez seja porque a relação entre cotidianidade e planejamento urbano, embora óbvia, na prática, não seja tão direta e simples assim. O planejamento urbano interfere na vida cotidiana da sociedade — esta é a obviedade —, mas a ausência desta dimensão nas metodologias e práticas adotadas no Brasil opõe-se aos objetivos intrínsecos desta atividade, relacionadas à promoção do desenvolvimento socioespacial — esta é a contradição na medida em que poucos praticam o planejar a partir do cotidiano”, aponta a pesquisadora.

Segundo Nagamine, a questão orientadora da investigação consistiu em perguntar ‘se’ e ‘como’ a cotidianidade é uma dimensão, campo ou escala válida para atuação do planejamento. A partir desta pergunta, buscou-se investigar de que forma a problemática da cotidianidade pode ser importante e até mesmo fundamental para o planejamento urbano, contribuindo para o aprofundamento de visões e perspectivas de atuação neste campo. Ou seja, pretende-se investigar o lugar da cotidianidade no planejamento urbano.

GUARITUBA — RM DE CURITIBA

A pesquisa toma como recorte um lugar, Guarituba. Situado na periferia da metrópole de Curitiba e marcado pela pobreza e precarização, neste lugar, as contradições vistas a partir da realidade de desigualdade socioespacial, constituídas a partir de uma inclusão precária no espaço da metrópole, são nítidas.Pertencente ao município de Piraquara, região leste da Metrópole de Curitiba, o Guarituba encontra-se localizado entre os rios Iraí, Itaqui e Piraquara, afluentes que conformam as nascentes do Rio Iguaçu, principal rio do Estado do Paraná, que o percorre de leste a oeste desaguando no Rio Paraná. Assim, a maior parte da área do Guarituba é constituída por várzeas de superfície aluvionar, alagáveis e tecnicamente inabitáveis, mas que se encontravam ocupadas, em 2010, por uma população de aproximadamente 36.527 habitantes, de acordo com dados contabilizados pelos setores censitários do IBGE (IBGE, 2016).

PARTES DA PESQUISA

A dissertação “O lugar da cotidianidade no planejamento urbano: um olhar a partir do Guarituba (Piraquara/PR)” está organizada em quatro capítulos. O capítulo dois explora os conteúdos teóricos basilares estudados para a investigação. Discute os conceitos de vida cotidiana e cotidianidade (objeto/assunto principal da pesquisa), procurando entendê-los à luz do conceito de produção do espaço, para a apreensão da realidade urbana em sua relação com o planejamento urbano. Num segundo momento, situa-se o tema da cotidianidade com a produção do planejamento urbano no Brasil, visando evidenciar questões sobre o cotidiano que, face aos conceitos apresentados, deveriam/poderiam estar presentes na prática. Neste capítulo ainda, antes de dar prosseguimento com a análise da investigação realizada em campo, é realizada uma breve análise do processo de planejamento urbano ocorrido no Guarituba, demonstrando seu baixo comprometimento com a realidade do vivido no lugar.

O terceiro capítulo apresenta os procedimentos adotados para a pesquisa de campo, a partir dos quais foi possível realizar o aprofundamento de questões sobre o cotidiano, importantes para o planejamento urbano, e vice-versa. O capítulo apresenta também alguns resultados iniciais, acentuando a importância da forma de aproximação e aceitação da pesquisa por parte da comunidade.

Segundo Liria Nagamine, o caminho traçado para a investigação analisou o Guarituba, conforme proposto por Magnani (2002), “de perto” e “de dentro”, utilizando-se o procedimento da pesquisa participante como referência, a partir de: observações em campo (realizadas entre outubro de 2015 e novembro de 2016) e de trinta e nove entrevistas semi-estruturadas que foram aplicadas a moradores locais. Foram realizados também três outros procedimentos de investigação: observação em campo, trabalho de campo com moradores e entrevistas com interlocutores institucionais.

As análises foram efetuadas tendo em vista quatro recortes espaciais de referência, cabendo destacar que dois foram escolhidos para o aprofundamento da investigação: o Conjunto Habitacional Madre Teresa de Calcutá – CHMTC e o Jardim Orquídeas. O CHMTC é um conjunto habitacional construído como uma das ações do Plano de Recuperação Ambiental e Urbanização do Guarituba – PRAU/Guarituba, com recursos do PAC/2007, com propósito de remanejar/reassentar famílias de áreas de situação de risco social e ambiental, sendo que a primeira leva de casas foi entregue em 2012. O Jardim Orquídeas, por sua vez, é constituído por um conjunto de loteamentos igualmente inseridos no PRAU/Guarituba (PAC/2007), mas na linha de ação da regularização fundiária e implantação de infraestrutura básica (drenagem, saneamento, estrutura viária). Sua constituição inicial remonta à década de 1980, sendo uma das mais antigas áreas do Guarituba.

As análises dos resultados são apresentadas no capítulo quatro. O primeiro subcapítulo revela a historicidade do Guarituba, destacando-se as formas de apropriação do espaço para moradia, sendo que, nestas, várias temporalidades e espaços coexistem e se estabelecem como padrões e usos da cotidianidade contemporânea. Os subcapítulos subsequentes, por sua vez, apresentam a análise “de perto” e “de dentro” no CHMTC e o no Jardim Orquídeas, respectivamente, considerando as atividades, usos e apropriação do espaço no cotidiano da família, do trabalho, dos estudos, das compras ou do lazer.

CONCLUSÕES

De acordo com Liria Yuri Nagamine, a investigação realizada no Guarituba tendo em vista o cotidiano trouxe à superfície questões importantes para o planejamento urbano, que se destacam por evidenciar o modo como a desigualdade social e urbana afeta uma parcela da sociedade que luta diariamente, por meio de arranjos improváveis, contra a precariedade. “Algumas das situações analisadas revelaram a ausência do poder público, demonstrando que certas ações que se fazem necessárias não dependem de recursos, mas de atitude diante da realidade que se mostra ao se analisar “de perto” e “de dentro” o cotidiano vivido pela sociedade. As questões levantadas pela pesquisa contribuem com o objetivo anunciado de aprofundar perspectivas de atuação no campo do planejamento urbano a partir do vivido”, aponta.

A partir da análise realizada é possível destacar contribuições da pesquisa ao planejamento, tendo em vista cinco pontos: (a) a simultaneidade de tempos e espaços; (b) a urbanização necessária, contudo insuficiente; (c) os projetos fora do lugar, que desconsideram evidências há muito tempo estabelecidas; (d) a valorização imobiliária pari-passu aos problemas da inclusão social precária; e (e) a superação de limites.

 

Faça o download da dissertação “O lugar da cotidianidade no planejamento urbano: um olhar a partir do Guarituba (Piraquara/PR)”.

Publicado em Produção acadêmica | Última modificação em 05-10-2017 12:31:29