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Por Paula Freire Santoro*
Publicado no site do LabCidade em 17/10/2018 (clique aqui)

Alguns autores vêm discutindo as transformações do centro de São Paulo a partir de estudos sobre os lançamentos residenciais do mercado imobiliário. O Informe Urbano 34 da Prefeitura de São Paulo vai nessa direção. Tenta mostrar, afinal, o que está sendo lançado e construído nos bairros centrais?

A primeira constatação, já de informes anteriores, é que distritos centrais que integram a Subprefeitura Sé – como República e Santa Cecília –, receberam 10% do total de unidades residenciais verticais lançadas nos últimos dez anos (2007-2017) no município. A Sé também está na 7ª posição considerando as Subprefeituras com maior metragem quadrada lançada no período, ficando logo atrás de áreas tradicionalmente ocupadas pelo mercado imobiliário, como Vila Mariana, Pinheiros e Lapa.

A atuação no mercado está em plena expansão: em 2017, a quantidade de unidades lançadas atingiu os patamares de lançamentos de 2014, ano em que houve o maior número de lançamentos antes da crise, mostrando que o mercado imobiliário na região se recuperou muito bem!

Figura 1. Distribuição das unidades verticais lançadas nos períodos entre 1997 e 2016. Elaboração: SMUL/Geoinfo, Informe Urbano 33, maio 2018.

Acompanha esse processo um adensamento populacional dos distritos centrais, na última década, não apenas na Subprefeitura Sé, como mostra o gráfico a seguir elaborado por Fábio Costa. Ainda é necessário estudar se há relação entre esses lançamentos e o adensamento populacional, especialmente se considerarmos como são estes imóveis e para que tipo de famílias.

Gráfico 1. Evolução populacional nos distritos centrais entre 1950-2010. Fonte: Censos Demográficos do IBGE; Organização: DEINFO/SMDU/PMSP (S.D) e (2016); Elaboração: Costa, 2017.

Os imóveis lançados não parecem ter sido planejados para famílias que hoje ocupam moradias precárias na região, com renda baixa ou sem possibilidade de comprovação de renda para entrar em um financiamento imobiliário. Tais moradias, que geralmente compõem um mercado imobiliário informal, parecem também estar em processo de expansão e adensamento.

Os novos lançamentos buscam famílias pequenas, jovens sozinhos ou casais, cuja mobilidade está apoiada na boa oferta de transporte público da região. Os apartamentos diminuíram de tamanho ao longo da década; são pequenos, com um ou dois dormitórios, e passaram a ser conhecidos como “lofts” ou “studios” (termo que substitui as antigas “kitchenettes”). Os prédios aglomeram cerca de 10 unidades por andar.

Tudo diminui, menos o preço! Como pacote de bolacha, vidro de requeijão… Enquanto a área útil média dos apartamentos era de cerca de 61 m² entre 2007 e 2013, a nova média é de 41 m². Os apartamentos tipo “loft” na Subprefeitura Sé são caros, custam cerca de R$ 9,5 mil por metro quadrado – preços que estão bem acima dos cobrados por apartamentos com outras tipologias e áreas maiores, em que a média é de R$ 4,3 mil por metro quadrado.

Há uma dissociação entre preço e área útil, o que indica um “forte componente especulativo”. Isto é: talvez o proprietário desses imóveis tenha um perfil de investidor e possa pagar mais caro, pois o faz como investimento. Assim, pode se dar ao luxo de esperar por rentabilidades mais altas no futuro, enquanto coloca os apartamentos para alugar.

Na década de 2000-2010 as incorporadoras e construtoras familiares, voltadas ao segmento médio e baixo, foram responsáveis por grande parte dos lançamentos residenciais na região central, como já apontado pela tese da pesquisadora Beatriz Kara José. Os produtores imobiliários atuais parecem ser as incorporadoras voltadas para o mercado de médio e alto padrão. Ou empresas sem histórico de atuação no centro, como Cyrela ou Setin – esta última fez sua primeira incorporação residencial no Centro apenas em 2011, ao criar a linha Setin Downtown. Ou empreendedores que já estavam na região central, mas estavam produzindo para alto e médio padrão – como Gafisa e Tegra (Brookfield) – e passaram a empreender na Subprefeitura Sé, especialmente nos distritos de República, Vila Buarque e Santa Cecília, com esse novo tipo de proposta.

Esses investidores apostam em aluguéis de apartamentos para turistas que têm preferido alugar em sistemas ou aplicativos do tipo Airbnb a se hospedar em hotéis, e o centro da cidade é boa uma opção de localização. Ou, ainda, obtêm retornos com a venda de serviços tipo pay-per-use, associados ao imóvel, como limpeza, lavanderia, etc., que inclusive podem ser acionados à distância, via aplicativo de celular, como descreve Luanda Vannuchi em seu trabalho de doutorado.

Os valores de aluguel para este público, temporário, são muito mais altos que os valores praticados por quem mora na região, descolando esse produto da realidade de moradia ofertada na área. Os proprietários preferem alugar por temporada a fazerem contratos de 30 meses. Assim, esses empreendimentos terminam por agravar o quadro de necessidades habitacionais, pois as famílias que precisam de moradia e vivem na área central não encontram mais imóveis e, os que encontram, não têm condições de pagar os valores, sendo expulsas do território. A lógica da rentabilidade imobiliário-financeira se impõe, e com ela intensifica-se o quadro de desigualdade socioterritorial.

Como reação a isso, o setor hoteleiro, preocupado com a concorrência, e pesquisadoras como Bianca Tavolari, preocupada com os efeitos sobre a moradia popular, chamam atenção para a necessidade de haver uma regulação brasileira desse mercado, que cobre impostos de quem alugar o imóvel ou parte dele por curta temporada. Alguns gestores já têm proposto políticas públicas de regulação, considerando a perda de arrecadação com impostos vindo do turismo. Mais recentemente, em São Paulo, o debate sobre o Plano Municipal de Habitação, em 2016, trouxe a possibilidade de implementar políticas habitacionais públicas de regulação do valor do aluguel, associadas a contratos de maior duração, na tentativa de evitar que a população moradora saia da região central, como apontam João Chiavone e Paula Santoro em artigo recém publicado.

É preciso qualificar a luta pela ocupação dos imóveis no Centro para que a produção imobiliária residencial esteja direcionada efetivamente para quem precisa, e não para acirrar e ampliar o quadro de necessidades habitacionais.

* Paula Freire Santoro é arquiteta e urbanista, professora de Planejamento Urbano do Departamento de Projeto da FAU USP. Atualmente coordena o projeto ObservaSP no LabCidade FAU USP. Lattes | Academia.edu