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Mercadoria ou Direito: a provisão de habitação de interesse social nas metrópoles

By 28/04/2011janeiro 29th, 2018Artigos Semanais, Destaque

Pesquisa do INCT Observatório das Metrópoles destaca disputa travada por movimentos sociais e construtoras dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. Iniciada em 2008, a pesquisa intitulada “Estudo sobre as formas de provisão da moradia e seus impactos na reconfiguração espacial das metrópoles”, tem como objetivo estudar a produção empresarial para a população de baixa renda e também as iniciativas de autogestão.

No final de fevereiro, o Ministério do Planejamento anunciou corte de R$ 5,1 bilhões para o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). A iniciativa, criada em 2009 como integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), oferece moradias para a população de baixa renda, com subsídios e juros reduzidos. A diminuição significou 40% do orçamento total do programa para 2011 – antes de R$ 12,7 bilhões, seu montante caiu para R$ 7,6 bilhões.

A retração, mais do que repercutir como perda para a sociedade, trouxe à discussão o encaminhamento e os resultados do programa Minha Casa, Minha Vida – cuja versão 2 estaria para ser lançada ainda este ano. Mas, principalmente, o recuo orçamentário acirrou um debate sobre os rumos tomados pela política habitacional traçada pelo governo federal, e as consequências para a vida nas grandes cidades.
O INCT Observatório das Metrópoles acompanha a questão habitacional desde sua fundação. Em 2008, iniciou pesquisa sobre o tema, intitulada “Estudo sobre as formas de provisão da moradia e seus impactos na reconfiguração espacial das metrópoles”, com o objetivo de estudar a produção empresarial para a população de baixa renda e também as iniciativas de autogestão. “Com o lançamento do MCMV, a pesquisa foi adaptada para acompanhar o desempenho do programa”, explica Adauto Cardoso, arquiteto, um dos coordenadores do estudo. O Minha Casa, Minha Vida oferece subsídio integral para a população com faixa de renda até três salários mínimos, e juros reduzidos para as pessoas com até dez salários mínimos.

Mapeamento

A pesquisa envolve pesquisadores nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiânia, Porto Alegre, Belém e Belo Horizonte. Em pauta, uma análise mais detalhada dos impactos produzidos pela política habitacional, com base em um mapeamento de todos os empreendimentos financiados pelo programa MCMV localizados nas metrópoles. A qualidade e a quantidade de moradias produzidas, assim como os mecanismos para obtenção dos financiamentos, são registrados pela equipe de pesquisadores.

“Com a pesquisa pretendemos realizar uma leitura crítica sobre a situação”, afirma Luciana Lago, arquiteta e professora do IPPUR/UFRJ, uma das coordenadoras do estudo. Segundo ela, vistos os resultados nas cidades escolhidas, revela-se uma questão que se torna cada vez mais preponderante: a grande disputa pelos recursos públicos e pela terra urbana, por parte de movimentos sociais e de empresas construtoras que trabalham com o Minha Casa, Minha Vida. “Este embate não é visível, não é percebido e discutido, mas existe: há uma grande disputa pela terra nas grandes cidades”, ela diz. A constatação remete à lógica da política habitacional praticada até 1986, ano em que foi extinto o antigo Banco Nacional de Habitação, de acordo com os pesquisadores.

Sem garantias de reservas de áreas para habitação social, por parte das Prefeituras – que deveriam constar das previsões dos Planos Diretores das cidades –, os espaços urbanos são hoje disputados por organizações de moradores e por construtoras e incorporadoras imobiliárias, com vantagens para os dois últimos. O problema da terra urbanizada e bem localizada para todos ainda se configura como um dos principais gargalos da política habitacional, segundo os dados coletados.
Os dois oponentes, de acordo com a pesquisa, estariam representados nas duas vertentes de financiamentos oferecidas pelo programa: o MCMV Empresarial e o MCMV Entidades. O segundo sofreria muito mais entraves, devido aos procedimentos burocráticos da Caixa Econômica Federal (CEF) e das Prefeituras, principais gestores administrativos e financeiros do programa.

Os fatores

A coleta de dados indicou três grandes causas para o embate, que teriam nascido nos últimos anos: o surgimento de novas empresas construtoras voltadas à população de baixa renda; o aumento na produção de moradias por cooperativas; e o grande boom imobiliário no país, há cerca de cinco anos.

Novas empresas construtoras/incorporadoras teriam surgido no mercado, direcionadas também aos setores médios baixos e populares nas periferias das metrópoles, e aumentaram em muito valor da terra urbana. E o grande pico imobiliário no país, a partir de 2006, também teria elevado significativamente os preços dos imóveis e o custo da terra na cidade. Sem mecanismos efetivos de controle sobre a valorização da terra urbana, o mercado imobiliário reagiu aumentando preços, o que beneficiou proprietários e diminuiu a capacidade das classes mais pobres de adquirirem terras.

Por outro lado, em algumas regiões, bons resultados: a produção de moradias por autogestão coletiva, em especial por cooperativas, em função da criação dos programas federais (Crédito Solidário e o Minha Casa Minha Vida), aumentou consideravelmente – entre 2007 e 2011, foram investidos cerca de R$ 820 milhões para a produção de 30.200  unidades habitacionais contratadas. “E, o mais interessante, são moradias muito melhores, em grande parte das vezes”, acrescenta Luciana Lago.

Movimentos sociais, sindicatos, associações de moradores começaram a produzir moradias nas periferias, em áreas muito precárias em infraestrutura. A pesquisa do INCT Observatório aos poucos conclui que a gestão por futuros moradores vinculados a organizações sociais atuantes altera positivamente a dinâmica local, pela ampliação do comércio, dos serviços, reivindicação por escola, atendimento de saúde, creche e equipamentos de lazer.

Além disso, nas moradias por autogestão são priorizadas soluções que enfatizam a diversidade de tipos e a ampliação dos limites da “área mínima” das unidades, de 35 m² – aspectos que a pesquisa verificou não serem privilegiados pela maioria dos projetos aprovados pelo Minha Casa, Minha Vida Empresarial.

Para a sociedade

Os resultados do “Estudo sobre as formas de provisão da moradia e seus impactos na reconfiguração espacial das metrópoles” em breve estarão disponíveis, e poderão ser acompanhados publicamente, por meio de um blogue a ser lançado ainda em 2011, pelo INCT Observatório das Metrópoles. “Também estamos produzindo um vídeo sobre as experiências vividas pela população beneficiada pelo programa Minha Casa, Minha Vida, nas duas vertentes, de movimentos sociais e empresarial”, adianta Luciana Lago. Os vídeos serão exibidos pela primeira vez no próximo encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), em 23 de maio, no Rio de Janeiro.

 

Escrito por Observatório|Última atualização em Qui, 28 de Abril de 2011 12:41