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Livro “Minha Casa… E a Cidade?”

By 21/05/2015janeiro 29th, 2018Destaque, Publicações

Livro “Minha Casa... E a Cidade?”

A equipe do Observatório das Metrópoles integrante da Rede Cidade e Moradia participou do lançamento, durante o XVI ENANPUR, do livro “Minha Casa… E a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros”. A publicação faz um balanço dos cinco anos do maior programa de habitação do país, analisando as fases do programa, a qualidade construtiva e arquitetônica, e os impactos urbanísticos e sociais dos empreendimentos, e mais os efeitos sobre a vida das famílias e dos indivíduos atendidos.

Passados 5 anos do lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida, os números oficiais apontam para mais de 3 milhões de unidades habitacionais contratadas. Distribuído por todas as unidades da federação, o programa adotou no seu início o déficit habitacional estadual como parâmetro para definir as metas a serem cumpridas, atendendo a percentuais pré-estabelecidos segundo as diferentes faixas de renda definidas para o mesmo. Tendo como alvo principal os municípios com população superior a 50 mil habitantes, o PMCMV permitiu a disseminação de empreendimentos habitacionais em centenas de municípios, sejam eles metropolitanos ou não trazendo no curto prazo impactos no processo de crescimento destas cidades.

O livro “Minha Casa… E a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros” foi lançado pela Rede Cidade e Moradia durante as atividades do XVI ENANPUR. Para a produção do estudo foram reunidos 11 núcleos de pesquisa, cada um dos quais com recortes espaciais específicos: (1) LABCAM FAU-UFPA (RM Belém e Sudeste do Pará); (2) LEHAB DAU-UFC (RM Fortaleza); (3) LaHabitat DARQ – UFRN (RM Natal); (4) Praxis Escola de Arquitetura –UFMG (RM Belo Horizonte); (5) IPPUR-UFRJ (RM Rio de Janeiro); (6) CiHaBe PROURB-UFRJ (RM Rio de Janeiro); (7) Polis-SP, (8) NEMOS – CEDEPE – PUC-SP (RM São Paulo / Osasco); (9) LabCidade FAUUSP (RM São Paulo e RM Campinas); (10) IAU-USP São Carlos + PEABIRU (RM São Paulo); (11) IAU-USP São Carlos (Regiões administrativas de São Carlos e Ribeirão Preto). Para sua realização, estes núcleos contaram com recursos obtidos junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério das Cidades através de edital público lançado em 2012.

A seguir parte da “Apresentação” do livro escrita pelo pesquisador Caio Santo Amoré.

Faça o download do livro “Minha Casa… E a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros”.

APRESENTAÇÃO

“Minha Casa Minha Vida” para iniciantes

Caio Santo Amore

Suponhamos um brasileiro que tenha vivenciado os anos de luta contra a ditadura militar, assistido à rápida e concentrada urbanização e à emergência dos movimentos sociais urbanos; acompanhado a política rodoviarista que incentivou o crescimento urbano horizontal e espraiado; a política habitacional autoritária do Banco Nacional da Habitação (BNH) – que beneficiou amplamente as classes médias e que construiu conjuntos habitacionais populares de baixa qualidade em áreas periféricas –; e a política habitacional “real” que relegou as populações de menor renda a favelas e loteamentos precários. Suponhamos que este brasileiro tenha entrado em estado de coma em 1986 – isolando-se de qualquer notícia sobre o Brasil e o mundo, portanto – e voltado à vida apenas em meados de 2014.

De cara, ele receberia uma avalanche de notícias: saberia do processo constituinte e da Constituição Cidadã; do primeiro presidente eleito diretamente depois de mais de duas décadas que se viu obrigado, no meio de seu mandato, a renunciar ao cargo depois de uma forte pressão popular; dos seus sucessores, todos com duplo mandato: o professor-sociólogo, o operário que liderava as greves nos anos 1980, a militante da luta armada nos anos da ditadura. Seria informado das mudanças da moeda, dos anos de recessão, dos níveis de desemprego a que chegamos, do descontrole/controle da inflação, da retomada do crescimento. Provavelmente se assustaria com os 83% da nossa população vivendo nas cidades, e lhe contariam como os problemas urbanos se agravaram – trânsito, violência, poluição, ocupação de áreas de proteção ambiental, precariedade e falta de moradia. Seria informado de que, na sua “ausência”, o BNH foi extinto, que a política urbana e habitacional se pulverizou pelos estados e municípios e que só depois de dezessete anos foi criado um ministério para lidar com as cidades.

Contariam a ele que um programa habitacional lançado em 2009 contratou em apenas cinco anos quase 80% das unidades que o BNH financiou nos seus 22 anos de existência, sendo que cerca da metade dessas unidades já foi entregue; que esse programa atende primordialmente a famílias de menor renda, pois tem níveis de subsídios que podem chegar a 96% dos valores financiados, que a produção habitacional ganhou escala industrial. Esse brasileiro saberia ainda que o programa permite que entidades populares sejam responsáveis diretas pelos contratos, que organizem as famílias beneficiárias, discutam os projetos e acompanhem a execução das obras e provavelmente ficaria impressionado com a obrigação de que a produção seja acompanhada de trabalho social, organizativo e comunitário, com recursos destinados exclusivamente para isso.

Possivelmente, depois do espanto, depois de imaginar que uma revolução urbana tenha se dado em nosso país ou que, finalmente, um pacto socioterritorial de inclusão dos trabalhadores finalmente se realizou entre nós, se nosso brasileiro tivesse a possibilidade de percorrer as nossas cidades e, particularmente, as periferias, ele talvez se perguntasse até que ponto todas essas novidades efetivamente se diferenciavam da realidade que ele presenciara na década de 1970. Buscando respostas para esse espanto e essas dúvidas, ele tomaria em suas mãos este livro. Ao longo de suas páginas, reconheceria os avanços alardeados, mas, olhando mais profundamente os contextos regionais e locais e os resultados de toda essa produção, poderia também se situar criticamente.

É com esse espírito que foram produzidos os capítulos que se seguem: olhar criticamente para a produção, analisando dados quantitativos e qualitativos, abordando escalas diversas, modalidades e fases do programa, a qualidade construtiva e arquitetônica, os impactos urbanísticos e sociais dos empreendimentos, os efeitos sobre a vida das famílias e dos indivíduos que têm se beneficiado das moradias.

Trata-se de uma produção coletiva de equipes autônomas, que analisaram diferentes aspectos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) a partir de projetos de pesquisa aprovados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Ministério das Cidades, em edital lançado em 2012. São equipes articuladas em uma rede, denominada Rede Cidade e Moradia, que partiram de uma perspectiva de análise comum – a questão da inserção urbana dos conjuntos habitacionais – que deu unidade às abordagens. As equipes, entre 2013 e 2014, reuniram-se sistematicamente, compartilharam metodologias, dados, hipóteses e achados de pesquisa. São onze equipes que falam sobre a produção em seis estados da federação, das regiões Norte, Nordeste e Sudeste (Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), vinculadas a seis universidades públicas, uma universidade privada e ainda a duas ONGs.

Organização dos capítulos

As pesquisas aqui reunidas abordam o Programa em diferentes contextos territoriais – regionais, intraurbanos – e dão diferentes enfoques na produção da casa (e da cidade)7 nessas localidades. Como já se mencionou, foram pesquisas autônomas, realizadas sem uma coordenação geral, apesar do frequente compartilhamento de dados, reflexões e achados. Como se poderá ver em detalhes nos dois capítulos que sucedem este e perfazem a Parte 1 da publicação, a metodologia comum permitiu às equipes uniformizar algumas linguagens, estratégias e escalas de análise da produção em cada localidade. Os eixos de análise foram definidos coletivamente, quase um ano depois de as pesquisas terem sido iniciadas, quando os primeiros dados já estavam coletados e algumas hipóteses levantadas – funcionaram como uma espécie de pauta para as reflexões. São quatro eixos que buscam aspectos mais específicos da produção e um quinto com caráter evidentemente transversal: (1) Arquitetura do Programa: agentes e operações; (2) Demanda habitacional e oferta do Programa; (3) Desenho, projeto e produção; (4) Inserção urbana e segregação socioespacial; e (5) Política habitacional e a produção das cidades.

Os artigos produzidos para este livro, espelhando a própria relação horizontal que se estabeleceu entre as equipes e o processo de troca que se deu durante as pesquisas, foram desenvolvidos livre- mente: alguns fizeram um esforço de consolidar uma síntese, outros privilegiaram aspectos mais específicos do seu campo empírico, outros ainda fizeram recortes temáticos ou espaciais. A organização dos capítulos que compõem a Parte 2 baseou-se nas “ênfases” que os organizadores detectaram em cada um deles a posteriori. O leitor notará, contudo, que há em todos eles transversalidades e uma multiplicidade de análises.

O capítulo de autoria da equipe do Observatório das Metrópoles do Instituto de Pesquisas em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ) explora o funcionamento do Programa tendo em vista os agentes que estão “na ponta”, operando diariamente com demandas, alianças, conflitos, interesses. Soma-se ao trabalho do Instituto Pólis e ao do Laboratório de Estudos de Habitação (LEHAB) do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (DAU-UFC) como pesquisas que enfatizam a Arquitetura do Programa – sendo que o primeiro revelará as evidentes estratégias de negócios imobiliários que incorporaram áreas até então desprezadas pela produção residencial de veraneio na Baixada Santista, e o segundo analisa os arranjos institucionais no contexto da Região Metropolitana de Fortaleza, demonstrando o grande poderio dos financiadores e construtores diante da fragilidade dos poderes locais.

Os aspectos relativos ao Desenho, projeto e produção foram destacados em três capítulos. O grupo Cidade, Habitação e Educação (CiHabE) do Programa de Pós-graduação em Urbanismo da Univer- sidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB-UFRJ) desenvolveu um “estudo projetivo” como metodologia de avaliação sobre a padronização das tipologias habitacionais e sobre a inserção urbana, reve- lando inadequações à diversidade de composições familiares e os problemas de mobilidade presentes na produção na “forma condo- mínio”. O Práxis da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EA-UFMG), entre outras abordagens, avalia os pressupostos de projeto e seus resultados, os impactos urbano-ambientais e socioespaciais da produção em municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A equipe do grupo Habitação e Sustentabilidade (Habis) do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP), que pesquisou a produção em um contexto não metropolitano no estado de São Paulo, analisou a estrutura de provisão habitacional e de produção – projetos, canteiro, cadeia produtiva – e demonstra como a racionalidade industrial, articulada ao processo de financeirização, acabou por estruturar um campo intensivo e extensivo de promoção habitacional que agravou disparidades socioespaciais decorrentes da localização dos empreendimentos.

Os dois capítulos que seguem tocam mais especificamente a relação entre Demanda e oferta. O Núcleo de Estudos sobre Movimentos Sociais (Nemos) da Coordenadoria de Estudos e Projetos Especiais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Cedepe/PUC-SP) tratou de empreendimentos no município de Osasco e analisou o trabalho social, as motivações em relação aos processos participativos e os impactos na vida das famílias: mudanças nas relações sociais, nas condições reais de vida, vinculações a organizações sociais que indicaram as “demandas” que ocuparam as unidades. A equipe

formada da parceria entre o Laboratório de Estudos do Ambiente Urbano Contemporâneo LEAUC do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP) e a assessoria técnica Peabiru – trabalhos comunitários e ambientais abordou a modalidade Entidades, herdeira de uma produção habitacional autogestionária, e realizou incursões etnográficas para compreender a adesão das camadas populares ao Programa por meio de trajetórias de vida (moradia, trabalho e vida familiar/comunitária) de representantes de famílias selecionadas para compor a demanda de um empreendi- mento em São Paulo.

Inserção urbana e segregação socioespacial compuseram um eixo comum da Rede, desde os projetos de pesquisa aprovados junto ao Ministério das Cidades, de modo que estão presentes em todos os trabalhos aqui reunidos. Três dos artigos enfatizaram esse aspecto, de modos diversos. O Laboratório de Habitação (LabHabitat) do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DARQ-UFRN) discute como o Programa continua e acirra tendências preexistentes de ocupação do solo urbano (extensiva e intensivamente), em especial nas áreas contíguas ao polo da Região Metropolitana de Natal e como, em curto tempo – ou melhor, na escala e na velocidade da produção industrial –, reproduz os efeitos históricos da segregação e da desigualdade socioespacial.

O Laboratório Cidades na Amazônia (LabCam) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (FAU-UFPA) tratou de empreendimentos na Região Metropolitana de Belém e nos municípios de Marabá e Parauapebas, no Sudeste do Pará, e seu artigo aborda a produção de vetores de valorização imobiliária sobretudo pela incorporação de antigas áreas rurais ou periurbanas aos perímetros urbanos, para que fossem implantados os empreendimentos do PMCMV. O LabCidade (FAU-USP) buscou no capítulo de sua autoria avaliar em que medida os empreendimentos estudados nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e de Campinas estavam satisfazendo os elementos básicos do direito à moradia, consignados em normas e tratados internacionais, demonstrando que, apesar de avanços em relação às melhorias nas condições de habitabilidade, a adequação cultural, a localização – e o correspondente acesso a equipamentos e serviços – e mesmo o custo acessível – paradoxalmente tendo os altíssimos níveis de subsídios do programa – são dimensões do direito à moradia que ainda não são plenamente atendidas.

Para fechar esta publicação, optou-se por apresentar a Nota Pública divulgada em blogs e redes sociais no mês de novembro de 2014. Lançado como um documento político, tão logo se conheceu o resultado das eleições presidenciais, a Nota intitulada “Programa Minha Casa Minha Vida precisa ser avaliado” foi construída coletivamente e reflete, mais que resultados, as preocupações dos pesqui- sadores. De alguma forma, dá conta da relação entre Política habitacional e produção de cidades, que foi tomada como a pauta transversal a todas as pesquisas.

O programa Minha Casa Minha Vida certamente abriu um campo de investigação urbana para os próximos trinta anos, do mesmo modo como o BNH continua a produzir. As reflexões – análises, opiniões, propostas alternativas, recomendações – desta rede, de outros pesquisadores, de setores da sociedade, da imprensa e do próprio governo estão sendo permanentemente produzidas, amadurecidas, contextualizadas, divulgadas, debatidas… Os trabalhos que este livro reúne são ingredientes adicionais para serem lançados no caldeirão do pensa- mento sobre o urbano no Brasil contemporâneo.