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Único regime aceito pelas populações dos países ocidentais e rótulo para os mais diversos sistemas de governo ao redor do planeta, a moderna democracia representativa está longe de entregar o que promete em teoria: o poder ao povo. Na obra “Democracia e representação: territórios em disputa” (Ed. Unesp), Luis Felipe Miguel mostra que na prática ocorre uma inversão: “No caso da representação política democrática, a primeira questão que se coloca é: quem é o objeto ausente? A resposta que logo vem à mente é: o povo”.

Povo, avalia o autor, é uma categoria política que reúne as pessoas submetidas a um governo. Por isso, povo e governo estão em oposição,são antípodas na relação de dominação política própria das mais diversas sociedades humanas: “Um ‘governo do povo’ é, assim, uma contradição em termos”.

Miguel elenca os problemas da democracia e aponta os desafios para seu aprofundamento, lembrando que o fracasso dos projetos alternativos (os regimes socialistas autoritários) e a aparente desistência de superar o capitalismo não justificam ignorar tais imperfeições. Os desafios, porém, são muitos e ameaçam até uma eventual democracia direta. Já quando existe necessidade de representação política as dificuldades agigantam-se.

O autor aponta quatro problemas fundamentais na democracia representativa, que estão estreitamente interligados. O primeiro é a separação entre governantes e governados, de que resulta a concentração das decisões políticas nas mãos de um pequeno grupo e a exclusão do poder da massa das pessoas que serão submetidas a elas.

O segundo problema é a formação de uma elite política distanciada da massa da população, em consequência da especialização funcional. Essa elite tende a reproduzir as desigualdades sociais, como evidencia a em geral baixa representatividade nos órgãos de poder de mulheres, grupos étnicos, minorias sexuais e da própria classe trabalhadora.

O terceiro problema diz respeito à ruptura do vínculo entre a vontade dos representados e a vontade dos representantes, tanto porque os governantes tendem a possuir características sociais distintas dos governados quanto porque existem mecanismos intrínsecos à diferenciação funcional.

Por último, a representação de tipo eleitoral carrega o problema da distância entre o momento em que se firmam os compromissos com os constituintes (a campanha eleitoral) e o momento do exercício do poder (o exercício do mandato).

Ao apontar as imperfeições da democracia representativa, o autor não pretende promover um ataque ao regime. Ao contrário, ele propõe que se busque meios de aprofundar a democracia: “Trata-se [aqui] de pensar os vieses da representação, de como ela processa e reproduz as desigualdades existentes; e, neste percurso, de prospectar trilhas para a construção de uma representação democrática, contraface necessária de uma autêntica democracia representativa.”

 

Para mais informações, acesse o site da Editora Unesp.