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Cinco anos se passaram e estamos agora às vésperas do mundial. Que balanço pode ser feito entre a intenção e a ação? O que de fato foi viabilizado e concorreu para transformar a cidade? Neste artigo, publicado no Jornal Gazeta do Povo, Olga Firkowski analisa a Matriz de Responsabilidade da Copa em Curitiba e o legado efetivo que ficará para a população.

O artigo “A Copa e Curitiba, nem tudo que reluz é ouro” faz parte do “Guia Analítico da Copa do Mundo”publicado pelo Jornal Gazeta do Povo, no qual seis especialistas escreveram sobre o Mundial no país. Temas como “Curitiba na Copa”; “BrasilxArgentina” e “protestos” são destaques.

 

A Copa e Curitiba, nem tudo que reluz é ouro

Por Olga Firkowski, coordenadora do Núcleo Curitiba do INCT Observatório das Metrópoles.

Qual é a relação entre um megaevento esportivo, como a Copa do Mundo, e a cidade? Qual é o poder transformador esperado? A que se deve tal expectativa? São perguntas simples, mas de resposta complexa.

Desde a década de 1990 tais relações têm sido festejadas, sobretudo devido às transformações ocorridas em Barcelona para as Olimpíadas de 1992. Um conjunto de obras que alterou a dinâmica urbana colocou Barcelona como ícone das potencialidades transformadoras dos megaeventos.

Aquele período de transformação foi também resultado do grande aporte de recursos vindos da União Europeia de modo a erguer as economias mais atrasadas do bloco na época: Espanha e Portugal. Recursos foram abundantes, obras se realizavam por toda a Península Ibérica de modo a dotá-la de condições materiais que a aproximassem dos vizinhos. Essa situação favorável de Barcelona passou a ser referência positiva para os gestores, que também alteraram sua forma de gerir as cidades. O “empresariamento” passou a ser a forma de conduzir a política urbana.

Parcerias público-privadas se tornaram o objeto de desejo dos gestores para viabilizar as intervenções nas cidades. Intensificou-se o chamado planejamento estratégico, o marketing urbano se destacou. A cidade passou a ser vista como mais uma mercadoria disponível em um mundo globalizado.

E quando, afinal, o tema dos megaeventos esportivos passou a fazer parte de cotidiano brasileiro?

De modo ousado, o Brasil se candidatou a abrigar dois dos maiores megaeventos esportivos, com apenas dois anos de diferença entre eles: a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas de Verão em 2016.

Tais megaeventos produzem diferentes efeitos transformadores nas cidades. Enquanto a Copa do Mundo se configura a partir de uma única modalidade esportiva, cuja competição de desenvolve por diferentes cidades-sede, as Olimpíadas abarcam distintas modalidades e as competições estão centralizadas numa única cidade. As Olimpíadas demandam uma infraestrutura mais complexa, diferentes equipamentos esportivos e até alojamentos adequados para os atletas, amadores em sua maioria.

Desde 2008 com as Olimpíadas na China e em 2010 com a realização da Copa do Mundo na África, fortalece-se a tendência de realizar megaeventos em países fora do eixo tradicional Europa-América do Norte e parte da Ásia (Japão, em especial). Inserem-se, de modo cada vez mais contundente, os países do Sul ou do mundo subdesenvolvido (tal denominação está sendo substituída por países emergentes ou países em desenvolvimento). Note-se que a própria denominação de Olimpíadas de Verão, contradiz a estação do ano em que a mesma se realiza no hemisfério sul. Essa mudança de tendência exige novos referenciais de análise, novos olhares sobre quem ganha e quem perde, sobre a participação da sociedade nas decisões, sobre a aplicação de recursos públicos e sobre legados.

Em 2007, o Brasil é escolhido pela Fifa como país anfitrião da Copa de 2014, em seguida vieram os preparativos para a apresentação do plano de ação e das candidaturas das pretensas cidades-sedes. Dentre elas Curitiba, efetivada como sede em 2009.

Na perspectiva dos preparativos, o ano era 2009 e o conjunto de obras propostas era animador, pois se acreditava que desse conjunto resultaria uma grande transformação da cidade. Dentre os projetos anunciados estavam: o metrô, cujo trajeto ligaria Santa Cândida (no extremo norte do município) à CIC (ao sul); a conclusão da Linha Verde, em especial seu trecho norte; a construção da terceira pista do aeroporto Afonso Pena; o anel ferroviário, com vias paralelas ao contorno viário; o corredor metropolitano, obra viária que abrangeria parte dos municípios metropolitanos; o estádio, em estágio adiantado de finalização; a Avenida das Torres e demais vias (Marechal Floriano, Salgado Filho) que proporcionam o acesso ao aeroporto; as vias radiais de acesso a Colombo e Pinhais; a reforma da rodoferroviária; a Avenida Cândido de Abreu, com a implantação de um ônibus expresso como meio de ligação entre o centro e o aeroporto, apenas para citar as principais.

A quantidade de intervenções previstas e sua distribuição pela cidade não deixavam dúvidas sobre o potencial transformador dos preparativos para a Copa. Há que se ressaltar que os projetos não eram novos: faziam parte de um conjunto de obras já pensadas e que pouca relação direta tinham com a Copa. As diversas fontes de recursos públicos disponibilizadas por meio dos PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), tanto o específico para a Copa como o de Mobilidade, seriam os financiadores dos projetos.

O menor problema de Curitiba à época era o estádio, que estava praticamente pronto, resultado de uma ampla reforma que o transformou, em 1999, em um dos mais modernos do país.

Cinco anos se passaram e estamos agora às vésperas do mundial. Que balanço pode ser feito entre a intenção e a ação? O que de fato foi viabilizado e concorreu para transformar a cidade? Qual é, de fato, o legado?

As obras minguaram em número, embora as executadas tenham tido seus orçamentos muito ampliados. Aos poucos foram sendo excluídas da Matriz de Responsabilidades, documento que firma o compromisso com a execução das mesmas entre os vários níveis da esfera pública e privada. Além da exclusão, algumas obras tiveram seu peso alterado no conjunto e de coadjuvantes passaram a protagonistas.

Não havia uma ponte estaiada no projeto, mas diversas trincheiras ou viadutos para transposição da Avenida das Torres. A ponte surgiu com um considerável impacto em termos de custo. Vai virar símbolo? É legado?

O estádio passou da situação de o mais adiantado nacionalmente para o mais atrasado, ainda inacabado a poucos dias da competição. Os padrões impostos pelo Caderno de Encargos da FIFA (de 2004, portanto formulado após a reforma da Arena), revelaram sua inadequação e sua completa reconstrução foi necessária. A que custo? Pago por quem? Uma grande engenharia financeira foi colocada em marcha para viabilizar a finalização: dinheiro público para as desapropriações dos imóveis no entorno imediato, venda de potencial construtivo, intermediação em empréstimos junto ao BNDES, mudança na legislação para favorecer as empresas envolvidas, dentre outros.

A Avenida das Torres teve parcialmente as torres removidas e substituídas por postes, nada parecido com as discussões originais de enterramento das torres e construção de pista exclusiva de expressos para ligar o Centro ao aeroporto. No dia 9 de maio de 2014 é que o edital de licitação do metrô foi finalmente lançado – pouco a se dizer. O mesmo sobre o aeroporto, que, embora tenha tido reformulações nas áreas internas e nos estacionamentos, ainda está distante da conclusão. O projeto previsto para a Avenida Cândido de Abreu foi suspenso. A Linha Verde norte está longe de ser concluída. Nada sobre o anel ferroviário e sobre o corredor metropolitano, sumariamente retirados da Matriz.

Concretamente, como resultado de todo o movimento relacionado à Copa, Curitiba tem: um novo estádio, agora chamado arena (privado), uma ponte (estaiada), uma avenida mais ampla (ligação do aeroporto ao Centro), uma rodoferroviária (mantida num local inadequado para sua função) e algumas obras de menor porte (reforma do Terminal de Santa Cândida, embora também não concluída, calçadas refeitas, sinalização renovada em certos pontos) e, não menos importante para alguns, um sistema de monitoramento do tráfego, que permite – em tempo real – a constatação da imobilidade que vivemos hoje com a exacerbação do modelo individual de transporte.

Perdemos a capacidade de planejar ou de agir, ou ambos?