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O atual debate eleitoral poderia constituir-se em importante momento para discutirmos a imperiosa necessidade de políticas públicas voltadas à governabilidade das nossas metrópoles, onde estão concentrados os ativos e os passivos da sociedade brasileira. Em artigo, os professores Luiz Cesar Ribeiro e Nelson Rojas tratam da ausência deste tema no debate eleitoral, dominado por outros temas.
As Metrópoles nas eleições: tema órfão
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Professor Titular do  IPPUR/UFRJ
INCT Observatório das Metrópoles – CNPQ/FAPERJ.
Nelson Rojas de Carvalho
Professor-Adjunto UFRRJ
Pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles – CNPQ/FAPERJ.

 

O atual debate eleitoral poderia constituir-se em importante momento para discutirmos a imperiosa necessidade de políticas públicas voltadas à governabilidade das nossas metrópoles, onde estão concentrados os ativos e os passivos da sociedade brasileira. À parte os ataques pessoais e as mútuas manifestações de adesão às éticas religiosas, os dois candidatos à Presidência da República prometem maravilhosas realizações a serem materializadas através de política setoriais. Nenhuma palavra é mencionada sobre a questão metropolitana, de cujo equacionamento depende a eficácia das ações setoriais e da ação sistemática cooperativa do regime federativo brasileiro.
Qual a nossa situação metropolitana? Apesar de seus desequilíbrios, o nosso sistema urbano constitui importante ativo para o desenvolvimento nacional. Ele é composto por 37 grandes aglomerados urbanos onde residem aproximadamente 45% da população (76 milhões de pessoas) e se concentram 61% da renda nacional. Entre os 37 grandes aglomerados urbanos, temos 15 metrópoles, isto é, aglomerados que apresentam características próprias das novas funções de coordenação, comando e direção das grandes cidades na economia em rede. As metrópoles têm enorme importância na concentração das forças produtivas nacionais, pois são responsáveis por 62% da capacidade tecnológica do país, medida pelo número de patentes, artigos científicos, população com mais de 12 anos de estudos e valor bruto da transformação industrial (VTI) de empresas que inovam em produtos e processos. Nestas 15 metrópoles estão concentrados também 55% do valor de transformação industrial das empresas que exportam. Temos, portanto, um sistema urbano que pode ser considerado importante ativo para um projeto de desenvolvimento nacional, frente às novas tendências de transformação do capitalismo.
Mas, ao mesmo tempo, nelas estão concentrados também os grandes desafios a serem enfrentados na forma de passivos resultantes de um modelo de urbanização fundada,  essencialmente, na combinação entre as forças de mercado e um Estado historicamente permissivo com todas as formas de apropriação privatistas das cidades, gerando uma urbanização caótica. Além dos evidentes problemas sócio-ambientais, do esgotamento da infraestrutura  econômica e social, observamos a existência de obstáculos à diminuição sustentável da desigualdade social. O que está sendo conquistado na diminuição das desigualdades sociais via formalização do emprego, aumento do salário-mínimo e políticas de transferência de renda, não vem se traduzindo em melhoria efetiva do bem-estar social e na democratização das oportunidades. Por exemplo, os custos de transportes já absorvem cerca de 20% do orçamento familiar, segundo o IBGE; por outro lado, pesquisas realizadas pelo Observatório das Metrópoles nas 15 principais metrópoles demonstraram que o desempenho das escolas públicas no IDEB é sistematicamente inferior ao obtido pelas cidades médias, em razão da precariedade urbana e da tensão social relacionada à violência.
A despeito da centralidade das metrópoles, como ativos e passivos do nosso desenvolvimento nacional, trata-se de item excluído de forma reiterada do debate político. A ausência do tema no atual processo eleitoral reitera, portanto, um viés perverso observado na filtragem dos itens identificados como prioritários na agenda pública. Exclusão de certa forma esperada no momento em que a representação metropolitana se vê sistematicamente penalizada em sua dimensão legislativa: estudos do Observatório demonstram que nas últimas eleições, e de maneira sistemática, a sub-representação das regiões metropolitanas vem se traduzindo num déficit expressivo de deputados que deixam de ser ali extraídos (algo em torno de 60 deputados), em benefício da sobrerrepresentação dos grotões do interior dos estados: ora, uma bancada metropolitana diminuta traz por desdobramento, senão impedimento, forte desincentivo em se introduzir a temática metropolitana como item da agenda política. Se a presente contenda eleitoral se apresenta como mais uma oportunidade perdida de tratamento dos desafios metropolitanos, parece fundamental na reforma política que se avizinha, garantir às áreas metropolitanas justa representação, eventualmente, com a criação de distritos eleitorais metropolitanos, de maneira a permitir que esse item fundamental de debate sobre o destino dos dilemas e oportunidades do País se veja finalmente contemplado como item prioritário da agenda pública.