O país atravessa um período de transição política e econômica e seu futuro está em disputa por forças que representam diferentes interesses sociais nacionais e internacionais. A questão urbana também está presente nessa disputa, sobretudo porque prevalece nas cidades brasileiras a hegemonia dos negócios fundiários — e imobiliários. Em razão disso, a Rede INCT Observatório das Metrópoles subscreve e apoia o manifesto “#BRASIL/CIDADES — Por uma frente ampla em defesa da construção social de um Projeto para as Cidades do Brasil”. O documento, elaborado por um grupo coordenado pela urbanista Ermínia Maricato e por Karina Leitão (FAU/USP), aponta a necessidade de repensar o Brasil urbano para a construção de cidades mais justas, solidárias, economicamente dinâmicas e ambientalmente sustentáveis.
Mais de 85% da população brasileira mora nas cidades cuja modernização não superou suas desigualdades históricas. Nelas ainda estão presentes as marcas dos séculos de escravidão, bem como a hegemonia dos representantes dos negócios fundiários (e imobiliários). Repensar o Brasil urbano é urgente para aquelas e aqueles que pretendem construir cidades mais justas, mais solidárias, economicamente dinâmicas e ambientalmente mais sustentáveis. Essa tarefa passa pelos estudiosos, pelas universidades, pelos profissionais, pelas igrejas, mas especialmente por movimentos sociais e movimentos de juventude. Esses propósitos convergem no que vem sendo chamado Projeto Brasil Cidades.
Sua formulação inicial foi uma iniciativa dos quadros da Frente Brasil Popular e está sendo gestada sobretudo por um grupo coordenado pela urbanista Ermínia Maricato, professora Titular Aposentada da USP, e por Karina Leitão( Professora Doutora FAU-USP), em diálogo estreito com o Levante Popular da Juventude e outras frentes e entidades populares. Trata-se, destacam, de uma construção social que visa incidir na conjuntura, mas também uma mobilização de médio e longo prazo.
“É urgente elaborar, por meio de uma construção social, um projeto para as cidades do Brasil, no médio e longo prazo, tendo como parâmetros a justiça espacial, intraurbana e regional; a sustentabilidade social, econômica e ambiental; o combate a toda sorte de desigualdade — social, racial e de gênero —, o respeito à diversidade geográfica e cultural, além do controle social e o respeito aos recursos públicos”, afirma o manifesto, que também defende o “protagonismo cidadão” motor de tais transformações.
“A oportunidade que nós temos é retomar a luta pela reforma urbana inserindo em uma luta mais geral. Retomar o caráter mais amplo de discussão sobre as cidades. Não se pode discutir habitação sem discutir mobilidade. A localização tem tudo a ver com transporte. É uma tentativa de politizar novamente esse debate”, diz Ermínia Maricato, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e uma das coordenadoras do processo de elaboração do manifesto.
Já assinam o primeiro manifesto a FNA- Federação Nacional dos Arquitetos, IAB- Instituto dos Arquitetos do Brasil (DF, SP, RS e PB), FISENGE-Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros. Profissionais e estudiosos da área da mobilidade urbana: ANTP-Associação Nacional de Transporte Públicos; do planejamento urbano, ANPUR- Associação Nacional de Planejamento Urbano e Regional; da saúde, Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, CEBES- Centro Brasileiro de Estudos da Saúde. Laboratórios de Pesquisas sediados em Universidades (USP, UFRJ, UFMG,UFF, UFMT).
Entre os movimentos sociais por moradia e por Direito à Cidade já estão o MNLM – Movimento Nacional de Luta por Moradia, Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), a Frente de Luta por Moradia( FLM), a CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores, CMP- Central de Movimentos Populares, MNRP- Movimento Nacional da População em Situação de Rua, entre outros. Outros signatários que estão na luta contra a desigualdade racial como UNEAFRO- União de Núcleos de Educação Popular para Negros, Frente 3 de fevereiro, Coletivo Sistema Negro; na luta pelos direitos de LGBT- UNALGBT.
Subscrevem também instâncias do movimento estudantil como a UNE – União Nacional dos Estudantes, UEE-SP União dos Estudantes do Estado de São Paulo, FENEA – Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura; diversas ONGs incluindo FASE e ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais. Entre religiosos estão IPDM- Igreja Povo de Deus em Movimento, Coletivo de Igrejas da Zona Leste de São Paulo, Articulação Pastorais e Movimentos Sociais e Evangélicos de Esquerda. Confira abaixo a lista completa com mais de 50 entidades, arquitetos-urbanistas, sociólogos e figuras públicas. O lançamento oficial do projeto em São Paulo está previsto para o início de agosto.
Os integrantes e apoiadores preveem organizar cursos de formação sobre “A questão urbana no Brasil” em universidades, escolas de nível médio, também junto a movimentos sociais e, num futuro breve, realizar um primeiro Fórum Social.
O QUE É O PROJETO #BRASIL/CIDADES
Por Ermínia Maricato
Nós tivemos um período com muitos avanços inovadores no tocante à gestão das cidades, marcado pela criação do Ministério das Cidades; criação de um arcabouço legal avançado (Estatuto da Cidade, Lei da Mobilidade, Lei de Resíduos Sólidos, Estatuto da Metrópole). Ou seja, conquistamos do ponto de vista institucional avanços nas políticas urbanas. Ao mesmo tempo, sinto que o foco na institucionalidade nos fez perder a energia das ruas, o foco desse transformação dos movimentos e partidos de um modo geral.
Avançamos, mas perdemos espaços, e por isso tivemos o golpe. Vemos que as forças de esquerda foram perdendo o controle sobre o investimento público no espaço.
Agora cabe a nós retomar o que foi feito, olhar o ciclo democrático recente, retomar com uma visão crítica, mas não sectária. Precisamos retomar projetos relevantes, como os CIEPs que ofereciam escolas integrais para as crianças, orçamento participativo, prioridade no transporte coletivo em detrimento do transporte individual.
Na área das Ciências, precisamos retomar o pensamento brasileiro também — citar Paulo Freire, Florestan Fernandes, Roberto Schwarz…. precisamos retomar esses pensadores.
Mas há, nesse contexto atual, críticas que precisam ser fortes e corajosas: como a perda do espaço dos partidos e movimentos — que aceitaram a troca por favores e abandonaram o chão da cidade que era a luta que nós tínhamos na década de 1980.
Além disso, incorporar temas desses 30 anos:
— segurança alimentar;
— questão ambiental e processo de urbanização;
— ponte entre saúde e cidade;
Todos esses temas pensamos para um projeto que não tem comando partidário, que não tem uma única voz, liderança ou modelo. Queremos diversidade, mas uma diretriz norteadora. Queremos o retorno do protagonismo do município. Queremos, para além de formular propostas, colocar em rede as milhares de experiências exitosas tanto das políticas públicas das cidades como das organizações.
E vemos marcas novas neste momento: a) a questão gênero — com o movimento LGBT; b) a questão racial, com os coletivos de mulheres negras e a sua relação com as periferias;
Além disso, vemos os movimentos inovando na sua forma de atuação. Em São Paulo, o nosso principal parceiro é o Levante Popular da Juventude que tem um modo criativo de constituir essas redes.
Nós não sabemos onde vai dar esse movimento, o que queremos com o manifesto é colocar a bola no campo, queremos jogar o jogo, queremos constituir redes. Nesse sentido, é uma construção social. O manifesto não é um programa de governo, ele é uma construção social, não é uma proposta de curto prazo. Vemos que a discussão é de resistência e para que as pessoas não percam a capacidade de ter esperança e de sonhar.
Leia no link o Manifesto “#BRASIL/CIDADES — Por uma frente ampla em defesa da construção social de um Projeto para as Cidades do Brasil”.
Para assinar o manifesto, basta acessar o site www.brcidades.org/assineomanifesto e pelo email brcidades2017@gmail.com.
Abaixo vídeo com a urbanista Ermínia Maricato, professora Titular Aposentada da USP, e Karina Leitão (FAU/USP) apresentando o projeto durante o Encontro Nacional da ANPUR.